Cheguei
ao Largo Camões por volta das cinco horas, vestido a preceito:
botas, calças pretas e blusão da mesma cor. Não precisei de rapar
o cabelo porque o uso bastante curto. Na altura, pouco mais de três
dezenas de manifestantes distribuam-se pela praça, com as tarjetas e
cartazes colocados no chão. Minutos depois, assisti a uma
provocação, quando uma jovem de 17 ou 18 anos atravessou a praça e
pisou deliberante, com ar de desafio, numa dessas tarjetas – mas a atitude foi recebida com indiferença por parte dos manifestantes.
O
aparato policial era enorme, com várias dezenas de polícias da
unidade especial da PSP, com os escudos de plástico da polícia de
intervenção. Alguns deles, inclusivé, armados com “shot-guns”.
Pouco
antes da hora marcada, um responsável da polícia chamou Mário
Machado para fora da zona onde se concentravam os manifestantes e,
durante alguns minutos, falou com ele. Aproveitei a oportunidade e,
quando acabaram a conversa dirigi-me a Mário Machado. Apresentei-me,
disse-lhe que era jornalista e que ia acompanhar a manifestação
incógnito, sem revelar a minha profissão. Respondeu dizendo que
estava “tudo bem, não havia problema”. Pedi-lhe para me
responder a algumas perguntas e fiz-lhe uma rápida entrevista (ver“Marchando com Mário Machado (II)".
Perto
da hora marcada, ainda o Largo Camões estava meio-vazio. Mário
Machado, de megafone em punho, explicou aos seus correligionários
que a manifestação se iria atrasar porque “a malta do Porto ainda
estava um quilómetro dali”.
Aproveitei
para me “integrar” no grupo de manifestantes e meter conversa com
alguns deles. Por essa altura já tinha havido uma dúzia de trocas
de galhardetes, com alguns transeuntes, no passeio oposto ao Largo, a
gritar palavras de ordem - “Fascismo nunca mais, 25 de Abril
sempre” - ou a dirigirem alguns insultos, com o mais puro
vernáculo: “Filhos da p....Fascistas de m...”. Os insultos
tiveram o troco, no mesmo formato, embora um grupo de manifestantes,
politicamente mais cuidadosos, acorresse logo para junto das cabeças
mais quentes, recomendando que não respondessem às provocações
porque era mesmo isso que os contra-manifestantes queriam.
“Não
façam o jogo deles, não lhes respondam”, gritava um dos membros
desse grupo, empurrando os seus “camaradas” para a zona onde
estavam agrupados, perto da estátua. Nas
conversas que tive, inserido no meio dos manifestantes, acabei por
levar uma lição de História, quando um dos participantes me
lembrou que, neste mesmo dia 3 de Fevereiro, ocorrera, em 1509, a
grande batalha de Diu, onde 18 navios portugueses tinham derrotado uma frota conjunta, de mais de uma centena de embarcações, do
sultão do Egipto e do rei de Calecute.

Já
passava das 18h30 quando a manifestação arrancou, depois de se
terem acendido cerca de duas dezenas de archotes. Voltou a entoar-se
o hino nacional, que já tinha sido cantado perto de uma dezena de
vezes, durante a espera pelo início da manifestação. Na descida
pelo Chiado, repetiram-se, quase a cada passo, episódios idênticos
de contestação da manifestação, com transeuntes a entoarem as
mesmas palavras de ordem, de punho erguido: “Fascismo nunca mais,
25 de Abril sempre”. A única resposta dos manifestantes era
retribuir com palavras e frases, não reproduzíveis aqui, e uma “saudação”,
utilizando o dedo do meio.
Ao
longo do percurso, as palavras de ordem eram relacionadas com a
postura nacionalista dos manifestantes. “Portugal, Portugal”,
entoado em uníssuno, “Islão fora da Europa”, “1143, português
até morrer”, repetindo-se várias vezes o hino nacional. Carlos
Moedas, o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, foi um alvo
especial dos manifestantes que gritaram, uma dúzia de vezes, com um
ritmo musical, a frase “Ó Moedas, vai p'ó c.....”
As
saudações nazis, de braço estendido e mão aberta, foram raras. A
larga maioria dos manifestantes levantava o braço com o punho
cerrado, enquanto entoavam os cânticos e palavras de ordem. Além da
palavra “Portugal”, repetida inúmeras vezes, também houve uns
esporádicos e breves “vivas” a Salazar.
A
meio da rua Nova do Almada ocorreu o único episódio de alguma
tensão. Dois grupos de contra-manifestantes – cerca de duas
dezenas de pessoas, cada um - caminhando pelos passeios, uma vez que
a rua estava bloqueada por uma carrinha da PSP, tentaram chegar à
“cauda” da manifestação, com uma atitude extremamente hostil e
ameaçadora.
A
polícia foi obrigada a montar rapidamente um cordão de segurança,
para impedir confrontos. Não fosse essa rapidez teria mesmo havido
confrontos – os contra-manifestantes chegaram a estar a cerca de cinco metros da cauda da manifestação – algo que eu
testemunhei, uma vez que estava exactamente naquele local, na altura.
O que aconteceu, nesse momento de tensão, foi exactamente o
contrário daquilo que o jornalista da CNN Portugal, Luís Varela de
Almeida, relatou, ao justificar a acção da polícia como sendo
destinada a proteger um grupo de pessoas que estariam a ser
perseguidas – deixando, nas entrelinhas, a ideia de que essa
perseguição estaria a ser feita por elementos da manifestação.
Em
marcha lenta, o grupo de cerca de duas centenas de manifestantes levou
perto de 45 minutos a descer o Chiado, virando pela Rua Nova do
Almada, em direcção ao edifício da Câmara Municipal de Lisboa,
destino final da manifestação. Aí, nova enxurrada da mesma frase
já entoada antes, e dirigida a Carlos Moedas - “Ó Moedas, vai p'ó
c....”.

Depois
de um breve mas inflamado discurso de Mário Machado, a manifestação
terminou, mas a maior parte dos manifestantes continuou no
local, durante perto de 45 minutos – por razões de segurança
pessoal, uma vez que estavam grupos de contra-manifestantes, barrados
pela polícia, nas duas ruas laterais ao edifício da Câmara
Municipal de Lisboa. Foi necessário perguntar aos agentes policias
se havia algum “caminho seguro” para sair do local. Indicaram-nos
o mesmo percurso que a manifestação tinha percorrido, afirmando que
a zona “estava segura”, tinha sido “limpa” pela polícia.
Mesmo assim, a maior parte dos manifestantes foi deixando o local em
pequenos grupos de três, quatro pessoas, à cautela.
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Contra-manifestantes da marcha do grupo 1143
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