Cheguei ao Largo Camões por volta das cinco horas, vestido a preceito: botas, calças pretas e blusão da mesma cor. Não precisei de rapar o cabelo porque o uso bastante curto. Na altura, pouco mais de três dezenas de manifestantes distribuam-se pela praça, com as tarjetas e cartazes colocados no chão. Minutos depois, assisti a uma provocação, quando uma jovem de 17 ou 18 anos atravessou a praça e pisou deliberante, com ar de desafio, numa dessas tarjetas – mas a atitude foi recebida com indiferença por parte dos manifestantes.
O aparato policial era enorme, com várias dezenas de polícias da unidade especial da PSP, com os escudos de plástico da polícia de intervenção. Alguns deles, inclusivé, armados com “shot-guns”.
Perto da hora marcada, ainda o Largo Camões estava meio-vazio. Mário Machado, de megafone em punho, explicou aos seus correligionários que a manifestação se iria atrasar porque “a malta do Porto ainda estava um quilómetro dali”.
“Não façam o jogo deles, não lhes respondam”, gritava um dos membros desse grupo, empurrando os seus “camaradas” para a zona onde estavam agrupados, perto da estátua. Nas conversas que tive, inserido no meio dos manifestantes, acabei por levar uma lição de História, quando um dos participantes me lembrou que, neste mesmo dia 3 de Fevereiro, ocorrera, em 1509, a grande batalha de Diu, onde 18 navios portugueses tinham derrotado uma frota conjunta, de mais de uma centena de embarcações, do sultão do Egipto e do rei de Calecute.
Já passava das 18h30 quando a manifestação arrancou, depois de se terem acendido cerca de duas dezenas de archotes. Voltou a entoar-se o hino nacional, que já tinha sido cantado perto de uma dezena de vezes, durante a espera pelo início da manifestação. Na descida pelo Chiado, repetiram-se, quase a cada passo, episódios idênticos de contestação da manifestação, com transeuntes a entoarem as mesmas palavras de ordem, de punho erguido: “Fascismo nunca mais, 25 de Abril sempre”. A única resposta dos manifestantes era retribuir com palavras e frases, não reproduzíveis aqui, e uma “saudação”, utilizando o dedo do meio.
Ao longo do percurso, as palavras de ordem eram relacionadas com a postura nacionalista dos manifestantes. “Portugal, Portugal”, entoado em uníssuno, “Islão fora da Europa”, “1143, português até morrer”, repetindo-se várias vezes o hino nacional. Carlos Moedas, o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, foi um alvo especial dos manifestantes que gritaram, uma dúzia de vezes, com um ritmo musical, a frase “Ó Moedas, vai p'ó c.....”
As saudações nazis, de braço estendido e mão aberta, foram raras. A larga maioria dos manifestantes levantava o braço com o punho cerrado, enquanto entoavam os cânticos e palavras de ordem. Além da palavra “Portugal”, repetida inúmeras vezes, também houve uns esporádicos e breves “vivas” a Salazar.
A meio da rua Nova do Almada ocorreu o único episódio de alguma tensão. Dois grupos de contra-manifestantes – cerca de duas dezenas de pessoas, cada um - caminhando pelos passeios, uma vez que a rua estava bloqueada por uma carrinha da PSP, tentaram chegar à “cauda” da manifestação, com uma atitude extremamente hostil e ameaçadora.
A polícia foi obrigada a montar rapidamente um cordão de segurança, para impedir confrontos. Não fosse essa rapidez teria mesmo havido confrontos – os contra-manifestantes chegaram a estar a cerca de cinco metros da cauda da manifestação – algo que eu testemunhei, uma vez que estava exactamente naquele local, na altura. O que aconteceu, nesse momento de tensão, foi exactamente o contrário daquilo que o jornalista da CNN Portugal, Luís Varela de Almeida, relatou, ao justificar a acção da polícia como sendo destinada a proteger um grupo de pessoas que estariam a ser perseguidas – deixando, nas entrelinhas, a ideia de que essa perseguição estaria a ser feita por elementos da manifestação.
Em marcha lenta, o grupo de cerca de duas centenas de manifestantes levou perto de 45 minutos a descer o Chiado, virando pela Rua Nova do Almada, em direcção ao edifício da Câmara Municipal de Lisboa, destino final da manifestação. Aí, nova enxurrada da mesma frase já entoada antes, e dirigida a Carlos Moedas - “Ó Moedas, vai p'ó c....”.
Depois de um breve mas inflamado discurso de Mário Machado, a manifestação terminou, mas a maior parte dos manifestantes continuou no local, durante perto de 45 minutos – por razões de segurança pessoal, uma vez que estavam grupos de contra-manifestantes, barrados pela polícia, nas duas ruas laterais ao edifício da Câmara Municipal de Lisboa. Foi necessário perguntar aos agentes policias se havia algum “caminho seguro” para sair do local. Indicaram-nos o mesmo percurso que a manifestação tinha percorrido, afirmando que a zona “estava segura”, tinha sido “limpa” pela polícia. Mesmo assim, a maior parte dos manifestantes foi deixando o local em pequenos grupos de três, quatro pessoas, à cautela.
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