domingo, 26 de maio de 2024

O tráfico de escravos nos países islâmicos

 

PAULO REIS

Não obstante as dificuldades em ter acesso a dados concretos, historiadores e especialistas calculam que o esclavagismo ocidental terá atingindo um total de cerca de 20 milhões de africanos. Embora Portugal e Inglaterra tenham desempenhado papéis de relevo, nesse tráfico, não foram os únicos. Escondido pela História, como se nunca tivesse existido, está o tráfico de escravos levado a cabo pelos países islâmicos.

Não só durou muito mais tempo do que os cerca de 400 anos em que as potências ocidentais enviaram escravos para os Estados Unidos e países da América do Sul, como foi muito mais cruel. Durante cerca de 1.400 anos, entre 15 a 20 milhões de africanos foram “exportados” para países islâmicos, de acordo com historiadores e especialistas nesta matéria.

Segundo um artigo de Sean Thomas, da revista The Spectator, o esclavagismo para os países islâmicos começou muito antes de Portugal e outras potências ocidentais terem dado início a esse tráfico.”

O número de africanos traficados são mais ou menos idênticos – à roda de 10 milhões tiveram como destino o continente americano, num negócio controlado pelas potências ocidentais, enquanto entre 15 a 20 milhões foram levados para os países árabes

O esclavagismo islâmico, ainda segundo Sean Thomas, do The Spectator, começou muito antes de as potências ocidentais terem dado início a esse “negócio”. O tráfico de escravos organizado, para os países islâmicos, não só começou muito mais cedo como atingiu valores superiores àqueles dos países ocidentais. E teve a característica muito específica de ser extremamente cruel, quando comparada com as potências ocidentais.

Os escravos africanos eram sistematicamente castrados, para serem utilizados como guardas dos haréns. A prática incidia sobretudo em relação aos cativos mais jovens, por se considerar que tinham mais capacidades de sobreviver. Mas mesmo assim, os historiadores calculam que em cada indivíduo submetido a essa prática, apenas 6 em cada 10 sobreviviam à castração. A prática era proibida pelo Islão, mas os muçulmanos encontraram uma forma de contornar o problema.

Em lugar de serem eles próprios a proceder a essa prática terrível, deixavam a tarefa para os intermediários nas transacções, vendedores de escravos. A castração dos escravos africanos explica um detalhe da componente demográfica dos países islâmicos, quando comparada com escravatura praticada nas colónias do novo mundo. Enquanto os descendentes de escravos africanos, no novo mundo, se reproduziram e constituem hoje uma percentagem razoável de países como os Estados Unidos e o Brasil, a população de origem africana, nos países árabes, é diminuta – facto que se explica pelo hábito da sua castração, impedindo-os de se reproduzirem.

A prática manteve-se durante séculos. Os escravos castrados eram muito mais valiosos do que os eunucos, uma vez que eram utilizados, maioritariamente, como guardas dos haréns.

O tráfico de escravos para os países islâmicos começou 700 anos antes de os países europeus se dedicarem também a esse “negócio”. A manutenção da escravatura nos países árabes prolongou-se muito além de os movimentos abolicionistas ocidentais terem conseguido acabar com esse tráfico – no século XIX, no caso de Portugal. Os estados islâmicos, pelo contrário, mantiveram as suas práticas esclavagistas até ao século XX.

No caso da Arábia Saudita, a escravatura foi proibida apenas em 1962. O Irão e a Jordânia aboliram a escravatura em 1967. Em relação ao Yemen e ao sultanato de Oman, a proibição teve lugar em1970, o Bahrain em 1937, logo seguidos do Kuwait, em 1949 e pelo Quatar em 1952. A Mauritânia tem o primeiro lugar, neste ranking vergonhoso: só em 1981 é que aboliu a escravatura. A escravatura no Irão e na Jordânia foi abolida em 1929. De acordo com o historiador Elikia M'bokolo, num artigo publicado no Le Monde Diplomatic, cerca de 17 milhões de africanos foram traficados para países árabes, O esclavagismo praticado pelas potências ocidentais terá atingido entre 11 a 12 milhões de africanos.

O investigador Olivier Pétré-Grenouilleau coloca como hipótese que cerca de 17 milhões de escravos foram traficados para países árabes, enquanto outro historiador, Ronald Segal adianta um valor de entre 11 a 14 milhões,

Mas qual a razão para as práticas substancialmente diferentes, no esclavagismo ocidental e islâmico? Segundo o historiador Rudolph T Ware III, autor de “Escravatura na África Islâmica”, o hábito da castração dos escravos africanos, praticado naqueles países, para além de “produzir” guardas para os seus haréns e empregados domésticos, tinha como objectivo limitar a sua reprodução, impedindo que casassem com outras africanas. O mesmo autor refere números chocantes, resultantes desta prática: cerca de 90 por cento dos indivíduos castrados não sobreviviam.

No caso do esclavagismo nas Américas, onde a prática da castração era inexistente, os proprietários de escravos estimulavam eles próprios a reprodução de escravos. Era uma estratégia meramente comercial: quanto mais escravos um fazendeiro tivesse, melhor era a sua situação financeira, uma vez que cada um deles era utilizado como trabalhador nos campos de algodão e noutras actividades agrícolas. Cada escravo era um investimento, por assim dizer. Uma estratégia muito distante da forma como os países islâmicos encaravam o esclavagismo - uma parte da História mundial que está apagada e náo surge nos livros escolares, por razões politicamente correctas...

 

"Espera por mim lá fora, se fores homem..."

  

O PASSAR DO TEMPO (CRÓNICA) - PAULO REIS

Andaram mosquitos por cordas, depois da polémica afirmação de André Ventura sobre a escassa vontade de trabalhar dos turcos. A esquerda indignou-se e o presidente da Assembleia da República deitou gasolina na fogueira, ao colocar como hipótese um sistema mais restritivo, para refrear os ímpetos dos deputados. Ao assistir a toda esta agitação, lembrei-me de imagens passadas na televisão, sobre os trabalhos parlamentares em Taiwan, já lá vão alguns anos.

A propósito da aprovação de uma lei que dividia profundamente os deputados, vai daí  chegaram a vias de facto. Durante mais de dez minutos, o parlamento de Taiwan transformou-se num ringue de boxe, onde valia tudo, perante a impotência do seu presidente.

Ainda não chegámos lá, mas a esperança mantém-se. A continuarem as repetidas provocações de André Ventura, mais dia menos dia haverá um deputado de cabeça mais quente que lhe irá pedir satisfações, arriscando-se a importar práticas do parlamento de Taiwan.

A alteração do Regulamento da Assembleia da República, tal como se tem vindo a propor, é uma mordaça colocada não numa assembleia de representantes do povo português, mas num grupo de rapazinhos mal-comportados que precisa de quem tome contra deles e lhes puxe as orelhas, quando ultrapassam os limites do que é considerado politicamente correcto.

Retirar a palavra a um deputado, porque Aguiar Branco entende que eles ultrapassaram determinados limites, é um instrumento de controle e diminuição dos direitos dos parlamentares.

Na ressaca deste episódio, não faltaram as posições dos extremistas de esquerda, para quem os direitos fundamentais só funcionam num sentido. Tudo o que for crítico ou verbalmente violento, em contradição com os seus princípios políticos, merece castigo e punição.

A única hipótese de resolver este imbróglio é, realmente, estabelecer novas regras no Regulamento da Assembleia da República. Por exemplo, incluir nesse documento o direito à chapada – não no parlamento, mas nos chamados passos perdidos, os corredores da Assembleia. Passar a permitir que os deputados se desafiem, à boa maneira dos adolescentes nas escolas, propondo um ajuste de contas no exterior da escola. Tipo “se és homem, espera por mim lá fora”. Na modorra das sessões parlamentares, era uma boa oportunidade para os jornalistas se divertirem. E como cereja no cimo do bolo, escolhia-se a personalidade mais óbvia, para servir de árbitro: o presidente da Assembleia da República, Aguiar Branco.

sábado, 25 de maio de 2024

Death comes knocking

 

AS TIME GOES BY (CHRONICLE) - PAULO REIS

I grew up side by side with war. The first guerilla attacks against Portuguese targets, (mostly civilian population, a barbaric massacre of men, women and children...) was on March 1961. I was four years old, living in Malange, in the centre of Angola. When I was 13 years old, already in Luanda, capital of the Portuguese colony, my world was breaking apart. Paul McCartney just announced, a few days ago, he was leaving the Beatles. After lunch, I went to my room, upstairs, turn the radio on and listened to “Rádio Comercial”, eager to know more about what was happening in London with the Beatles.´

I heard a car driving fast in the street, something strange in that Samba’s quiet area, a residential neighbourhood of middle-class people, with nice two-floor houses. I run to the window and saw my uncle’s Bento car. He had the door of the car open and he was just there, standing, both hands in his waist, head down. I also saw my mother, standing at the gate, and I hear her voice:

“Bento, what happened? You are not working? Why are you here?”

My uncle came to the gate, still silent, opened it and put both hands at my mother shoulders.

“Zé is dead. He was shot early this morning, during an operation near Maria Teresa.” – he said, his voice no more than a whisper, I barely could hear his words. My mother was terribly shaken. She had to sit down on the stairs near the gate, unable to walk. She covered her face with both hands and cried silently for what seemed to be a long, long time, for me.

My uncle took her hand and help her to stand up. They walked back home and we came to the living room at the same time, as I went down from my room in the first floor. My mother looked and me and said what I already knew.

“Zé is dead, Paulo. He was killed this morning.” – Than, she stopped, as she remembered something even more tragic – “Oh my God! His mother! The other son was sent to Mozambique, two months ago! João is in Pemba, is also a very dangerous area!”

We stay there in silence, I can’t remember for how long. The mother of José Maçanita was my mother's cousin. My uncle and my mother were older than him. He was something like a younger brother for them. When he was drafted to the Colonial War, raging since 1961, he volunteered for the “Comandos”, the famous Portuguese Special Forces. My mother’s voice broke the silence.

“I have to call Quim, I have to tell him to call headquarters in Mozambique. They must send the other boy to Lisbon, immediately. Imagine if he also dies!” Quim, the nickname of my father, worked in the intelligence services and had open lines of communication with services from other colonies.

The memory of my cousin was of a young and strong man, who used to pull me up in the air, making me afraid that I could touch the ceiling. He had a dog, a German Shepard, all black and called “White”.

It was the first time in my life I had to face death, a death of somebody that was close to me. I just turned the corner of our home, headed to our backyard and called the dog. He came, jumping and barking, happy as always, not knowing that his owner will never be back again. Just stayed there, for a few minutes, with “White” sitting at my side, quiet and silent. During those few minutes, I had a strange feeling and thought that he knew something wrong happened. Just called him, again, and he got closer, his head on my knees. From that moment on, he was my dog, but also the memory of my dead cousin.

sexta-feira, 24 de maio de 2024

A verdade sobre as Waffen SS

  

PAULO REIS

A extrema-direita europeia entrou em ebulição com as declarações de um membro de AfD (Alternativa para a Alemanha) Maximilian Krah, depois de este político ter declarado, em entrevista aos jornais La Repubblica e Financial Times. Krah afirmou que nem todos os membros das Waffen SS nazis (também conhecidas como 'Schutzstaffel', 'Esquadrão de Protecção') "eram automaticamente criminosos".

De acordo com a Reuters, o grupo de extrema-direita Identidade e Democracia (ID) do Parlamento Europeu expulsou a delegação da Alternativa para a Alemanha (AfD) no dia 23 de Maio, menos de um mês antes das eleições para ao Parlamento Europeu.

"O Grupo ID não quer mais ser associado aos incidentes envolvendo Maximilian Krah, chefe da lista da AfD para as eleições europeias", disse o grupo ID em um comunicado.

Na entrevista aos dois jornais, questionado sobre se considerava aquele corpo de tropas especiais nazis como "criminosos", Maximilian Krah respondeu: "Depende. Você tem que avaliar a culpa individualmente. No final da guerra havia quase um milhão de SS. Günter Grass também esteve nas Waffen SS", afirmou Maximilian Krah, referindo-se ao conhecido escritor alemão.

As definições e a informação sobre o que eram as Waffen SS foram mínimas e desfazadas da realidade, na quase totalidade dos órgãos de Comunicação Social.

A Reuters limita-se a três ou quatro linhas, adiantando que "as SS, ou Schutzstaffel, foram um grupo paramilitar nazista ativo na década de 1930 e 1940. Entre outros crimes contra a humanidade, os membros das SS desempenharam um papel de liderança no Holocausto, o genocídio de seis milhões de judeus e outros durante a Segunda Guerra Mundial", adianta a agência noticiosa.

Outras publicações limitaram-se a destacar o facto de que as Waffen SS desempenharem o papel de guardas dos campos de concentração – o que é verdade, mas representa apenas uma pequena minoria dos seus efectivos.

As Waffen SS foram fundadas em 1925 e desempenharam, inicialmente, o papel de guardas de segurança dos principais dirigentes do partido nazi – daí a designação, também utilizada, de "Schutzstaffel", "Esquadrão de Protecção". Enquanto as tropas regulares do exército alemão juravam lealdade ao Fuhrer, as Waffen SS tinham direito a um juramento diferente, especial: "Juro-lhe, Adolf Hitler, como Führer e Chanceler do Reich Alemão, lealdade e coragem. Juro-lhe e a todos os líderes que forem escolhidos para mim, uma total obediência até à morte – assim Deus me ajude". 

O seu "motto" era "A minha honra chama-se lealdade". De acordo com a Wikileaks, as Waffen SS começaram por ser um grupo ("Saal-Schutz") composto por voluntários que forneciam segurança às reuniões do partido nazi em Munique, nos primórdios do desenvolvimento do partido nazi. Heinrich Himmler, que viria a ser um dos mais poderosos líderes nazis, filiou-se no grupo em 1925.

Foi sob a sua direcção que essa pequena formação paramilitar se transformou numa poderosa máquina de guerra, incluindo um total de 39 divisões (cerca de 900 mil soldados) entre 1929 e 1945. Para além das suas funções como unidade de vigilância e protecção do regime nazi, as Waffen SS, com o início da II Guerra Mundial, transformaram-se num exército, cujas unidades eram sujeitas a um treino especial e que se distinguiam da Wehrmacht, o exército regular alemão, pelos seus uniformes negros.

As divisões das Waffen SS eram utilizadas como tropa de choque, combatendo muitas vezes nas piores zonas da frente. Em 1929 Heinrich Himmler foi promovido a comandante-geral das Schutzstaffel e foi o principal responsável pela criação do que viriam a ser as temidas Waffen SS.

Uma das exigências colocadas aos novos recrutas era a obrigatoriedade de provar que não tinham sangue judaico, até á terceira geração de ascendentes.

Em 1939, no início da guerra, as Schutzstaffel transformaram-se nas Waffen SS, sempre sob o comando de Heinrich Himmler. Nessa altura, já tinham um total de efectivos que rondava os 250 mil homens. Uma das principais estratégias de Himmler, à medida que a guerra se desenrolava, sobretudo para países do Leste europeu, foi alterar as regras de recrutamento das divisões das Waffen SS, passando a incluir outras raças, para além dos "alemães puros".

As diferenças de recrutamento eram salientadas pela própria designação das unidades. Uma "Divisão SS" era composta, quse na totalidade, apenas por alemães. Outras unidades, cujos efectivos incluíam elementos de outras nacionalidades, eram designadas por "Divisão das SS" – uma pequena mas substancial diferença.

Ao longo da guerra, estas tropas de choque vestidas de negro foram os mais temíveis adversários das forças aliadas e dos soviéticos, para além de serem conhecidos pela sua ferocidade e pelo facto de serem implacáveis, na liquidação dos chamados "Untermenschen", os "Sub-humanos", com os judeus como alvo principal.

Mas a nova estratégia de recrutamento de Himmler produziu resultados. Aproveitando-se sobretudo de rivalidades étnicas e de conflitos políticos, as Waffen SS conseguiram até recrutar soldados ingleses, voluntários escolhidos nos campos de concentração. No caso dos ingleses, não passaram de algumas dezenas, que foram capturados na Frente Leste. Os russos entregaram-nos às forças aliadas e os ingleses, rápida e discretamente, trataram de os enforcar. Curiosamente, as últimas unidades militares que resistiram ao avanço das tropas russas, em Berlin, eram elementos da Divisão Charlemagne, constituída por franceses – cerca de 20 mil – recrutados em 1944.

À medida que a guerra começava a correr mal para os alemães, Heinrich Himmler decidiu "suavizar" ainda mais os critérios de recrutamento, para o que viriam a ser as 39 divisões das Waffen SS. Algumas delas, compostas por não-alemães, deixaram memória de atrocidades e massacres indiscritíveis. Dois desses exemplos são a Galizische Nr.1, composta por ucranianos e a Kama Kroatische Nr. 2, integrada por croatas e bósnios. A 29ª divisão das Waffen SS, por exemplo, era composta por russos, a maioria recrutados entre prisioneiros de guerra. Numa lista das 39 divisões das Waffen SS (entre 18 a 20 mil homens), encontra-se uma amostra de dezenas de países europeus: holandeses, romenos, croatas, cossacos, estónios, húngaros, italianos, bielorussos, etc.

Por todo o lado onde passaram, as divisões das Waffen SS deixaram um rasto de sangue e mortos. Aquela que é considerada a pior de todas – a SS Sturmbrigade Dirlewanger - era comandada Oskar Dirlewanger. Esteve envolvida em inúmeras atrocidades cometidas na Frente Oriental, foi responsável pela liquidação de cerca de 120 mil bielorussos e destruiu mais de duas centenas de aldeias e vilas, naquele país.

As forças de Dirlewanger esmagaram completamente a chamada "Revolta de Varsóvia", quando os polacos pegaram em armas e tentaram livrar-se do jugo nazi, confiantes de que as tropas russas, a escassas dezenas de quilómetros da cidade, viriam em seu auxílio. Não foram.

No final da guerra, calcula-se que tenham passado pelas fileiras das Waffen SS cerca de um milhão de soldados. Durante os julgamentos de Nuremberga, as Waffen SS foram classificadas como "organização nazi" e os seus membros sistematicamente condenados. O facto de todos os elementos das Waffen SS terem o seu grupo sanguínio tatuado no sovaco direito tornou difícil escaparem à justiça.

quinta-feira, 23 de maio de 2024

Será que os judeus são dotados de humanidade?

 

PAULO REIS

Uma breve passagem de um artigo publicado numa revista islâmica editada em Portugal, a Al-Furqán, dirigida em 1988 pelo sr. Yossuf Adamgy,: "Será que os judeus são dotados de humanidade? (...) O judeu não possui boas qualidades; não conhece a misericórdia, nem a simpatia; odeia toda a gente que não seja judeu (…) está demonstrado que as qualidades dos judeus são desumanas (..)” acrescenta o artigo.

Na mesma revista, edição nº 41, correspondente aos meses de Janeiro/Fevereiro de 1988, pode ler-se um artigo assinado pelo Xeque Aminuddin Mohamad, que foi conselheiro espiritual da Comunidade Islâmica de Lisboa, onde se conclui que "os judeus propriamente ditos não são seres humanos." O artigo refere ainda que “(...) os judeus são inimigos de todos aqueles que não o são”, e procuram fazer-lhes todo o mal possível, concluindo com um rasgado elogio a Hitler: “Talvez tenha sido por isso que Hitler quis aniquilar este maldito povo”.

André Ventura e os turcos preguiçosos

 

TRAVESSA DAS VERDADES (OPINIÃO) - João Tavira

Com a devida vénia, aqui se republica uma crónica de um bloguer brasileiro, Bráulio Tavares, autor de uma coluna no "Jornal da Paraíba" entre 23 de março de 2003 até 10 de abril de 2016, data a partir da qual, com o fecho do jornal, os textos passaram para um blogue na Internet.

Já tinha passado os olhos por este texto, sem lhe dar grande importância ou relevo. Mas quando ouvi a diatribe parlamentar de André Ventura sobre os turcos preguiçosos, não pude deixar de fazer um paralelismo com um conhecido episódio da vida do escritor e colunista Eça de Queiroz. Pressionado pela horas a que devia entregar a sua crónica regular e sem temas que lhe viessem à cabeça, Eça de de Queiroz decide desancar, forte e feio, no Bei deTunes, que, coitado, não passava de um governante menor, numa província sob ocupação turca – pormenor que permite algumas dúvidas sobre a natural e aparente preguiça dos turcos, uma vez que até tinham conquistado um império e anexado a província de Túnis.

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Bráulio Tavares

quinta-feira, 27 de março de 2008

In “Mundo Fantasmo”

O Bei de Túnis é um personagem familiar aos escritores que já sobreviveram graças ao jornalismo diário. “Bei” era o título dos governadores de província em Túnis, na época da dominação turca. Eça de Queiroz tinha uma coluna de jornal para a qual era preciso achar assunto diariamente. Um tarde, com o juízo zerado e o relógio galopando, lembrou-se por algum motivo do Bei de Túnis e escreveu um artigo demolidor, acabando com o sujeito. Quando no outro dia lhe perguntaram a razão do ataque, confessou que era falta de assunto, e concluiu: “Não importa: em Túnis há sempre um Bei. Desanquei-o.”

“Bei de Túnis” virou sinônimo erudito para “bode expiatório” ou para “Pilatos no Credo”: é aquele coitado que não tem nada com a história, que não se chama Joaquim nem mora em Niterói, mas que acaba levando as bordoadas de alguém que precisava esbordoar as primeiras costas que aparecessem. Sei dessa história desde pequeno, contada por meu pai. Por algum motivo sempre achei cômico visualizar a imagem de um político importante vivendo sua vida e tomando suas decisões, sem saber que do outro lado do mundo um jornalista anônimo está metendo o chanfalho nele, apenas para se desincumbir de uma tarefa.

Toda as vezes em que me sentei à máquina de escrever para desancar os estúdios de Hollywood ou as multinacionais do disco, sempre pensei que, por mais sinceras que fossem as minhas diatribes, no fundo aquilo era apenas um Bei de Túnis que me ajudava a ir para casa mais cedo. O episódio do Bei de Túnis, contudo, me parece ter uma relação oculta com outra história de Eça, uma das mais famosas: “O Mandarim”. Esta noveleta meio fantástica, publicada em 1880, foi uma espécie de ruptura com o realismo de “O crime do Padre Amaro” (1876) e “O primo Basílio” (1878).
Sua premissa era uma questão teórica conhecida como “o paradoxo do mandarim”, proposta em 1802 por François de Chateaubriand em “O Gênio do Cristianismo:”

“Se você pudesse, com um simples desejo, matar um homem na China e herdar sua fortuna na Europa, com a convicção sobrenatural que nunca ninguém descobriria, você formularia esse desejo?”


Em “O Mandarim”, o personagem Teodoro lê num livro a proposta diabólica:
“No fundo da China existe um mandarim, mais rico que todos os reis de que a fábula ou a história contam. Dele nada conheces, nem o nome, nem o semblante, nem a seda de que se veste. Para que tu herdes os seus cabedais infindáveis, basta que toques essa campainha, posta a teu lado, sobre um livro. Ele soltará apenas um suspiro, nesses confins da Mongólia. Será então um cadáver; e tu verás a teus pés mais ouro do que pode sonhar a ambição de um avaro. Tu, que me lês e és um homem mortal, tocarás tu a campainha?"


Parece haver apenas uma diferença de grau entre a capacidade de castigar verbalmente à revelia um turco remoto, e a capacidade de assassinar à distância um chinês para herdar-lhe os ouros. Nenhum escritor é totalmente inocente dos crimes que imagina.

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PS – Na ressaca do recente episódio parlamentar, lamentável e de mau gosto, fica-me uma interrogação: porque Diabo é que o André Ventura optou por desancar nos turcos? E porque não nos arménios? Ou até nos nossos vizinhos espanhóis, para quem a sesta pós-almoço é um dos valores sociais mais enraizados? Ventura também não estava pressionado por nenhum deadline para entregar uma crónica a ser publicada num jornal, não tinha nenhuma entrevista marcada e - que eu saiba - não tinha sofrido nenhuma intoxicação alimentar, depois de comer um kebab.

Só me ocorre uma razão para justificar a intervenção do tribuno que lidera o “Chega”: O André Ventura tinha que intervir, tinha que dizer qualquer coisa polémica, como diz todos os dias e, vai daí, imitou o Eça de Queiroz: desancou na primeira coisa que lhe veio à cabeça. No caso, os pobres dos turcos..


sexta-feira, 12 de abril de 2024

O deputado truca-truca e a poetisa Natália Correia

 
Estávamos em 1982 e a Assembleia da República debatia a despenalização do aborto. O então deputado do CDS, João Morgado, argumentou: «O acto sexual é para ter filhos». Natália Correia (na altura deputada eleita pelo PPD) subiu à tribuna para responder com um poema muito original. As gargalhadas obrigaram à interrupção dos trabalhos. O esquerda.net reproduz esta jóia da literatura portuguesa:

Já que o coito - diz Morgado -
tem como fim cristalino,
preciso e imaculado
fazer menina ou menino;
e cada vez que o varão
sexual petisco manduca,
temos na procriação
prova de que houve truca-truca.
Sendo pai só de um rebento,
lógica é a conclusão
de que o viril instrumento
só usou - parca ração! -
uma vez. E se a função
faz o órgão - diz o ditado -
consumada essa excepção,
ficou capado o Morgado.
 
(Natália Correia - 3 de Abril de 1982 )

terça-feira, 9 de abril de 2024

Activistas negros lançam petição contra o racismo

 

 Petição pública assinada por um grupo de activistas negros, encabeçados pelo activista Mamadou Ba:

Da Celebração ao Combate

Para: Ao Ex.mo Senhor Presidente da República; À Assembleia da República, Governo e Partidos Políticos

As recentes conquistas desportivas nacionais têm vindo a ser usadas para a reprodução de mitos sobre a multiculturalidade e harmonia inter-racial do Portugal contemporâneo. Como portugueses não-brancos, e imigrantes não-brancos residentes em Portugal, recusamos ser cúmplices desse branqueamento.

O dia 10 de julho de 2016 ficará para a história do desporto português. Pelo triunfo da seleção no europeu, e pelas medalhas (uma de ouro, duas de bronze) conquistadas no campeonato europeu de atletismo. Sem desprimor para o atletismo, é contudo incontornável que foi a conquista futebolística a mobilizar o país. 
E assim aconteceu porque este jogo e esta vitória representam, em termos simbólicos, mais do que a conquista de um título. Isso mesmo foi reconhecido pela mais alta figura do Estado português: instado a comentar a importância da vitória no Euro2016, em Paris, contra a seleção anfitriã, Marcelo Rebelo de Sousa fez uma referência velada à “dura experiência dos emigrantes portugueses em França”. Escondida nas entrelinhas de tal referência estava, claramente e para quem quisesse ouvir, um reconhecimento da virulenta e insidiosa xenofobia sentida todos os dias pela comunidade portuguesa naquele país, desde a sua chegada nas grandes vagas migratórias de meados do século passado, em fuga da miséria, da fome e da guerra que lhes oferecia o regime fascista português. Desde essa altura, em que, com as suas malas de cartão, emigrantes portugueses se concentraram em bidonvilles insalubres, aquela que é hoje a segunda mais numerosa minoria em França tem uma história de décadas de exploração e opressão.

O reconhecimento da experiência de tantos portugueses em França é, todavia, algo totalmente negado no que diz respeito às minorias não-brancas em Portugal. Pelo contrário, o recente sucesso desportivo de tantos portugueses não-brancos está a ser posto ao serviço da reprodução de narrativas mitológicas, descrevendo um país multicultural e não-racista, que não existe nem nunca existiu, como as nossas histórias e experiência quotidiana nos fazem questão de recordar permanentemente. Ao mesmo tempo, as celebrações do triunfo recuperam referências culturais exaltando o passado dito glorioso dos “descobrimentos”, que na verdade não corresponde senão a séculos de pilhagem colonial e imperial dos nossos territórios de origem, e de redução dos nossos povos à indignidade da escravidão. 
Como portugueses e imigrantes não-brancos residentes em Portugal, de diversas origens, recusamos contribuir com o nosso silêncio para esse branqueamento. Sim, reivindicamos orgulhosamente os triunfos de atletas nos quais nos revemos e identificamos. O nosso Portugal é o de Patrícia Mamona, de Pepe, de Bruno Alves, de Eliseu, de Danilo, de João Mário, de Renato Sanches, de William Carvalho, de Éder, de Nani e de Ricardo Quaresma – filhos e netos de criadas, empregadas de limpeza, trabalhadores da construção civil. 
Um país que está longe de corresponder à imagem idílica que dele tem vindo a ser feita nos últimos dias. Um país cujo currículo educativo deprecia a população não-branca (em particular os negros e os ciganos), relegando-a para o lugar do Outro, selvagem e primitivo, nos manuais de História; um país que pratica o terrorismo de Estado nos bairros periféricos de Lisboa, essas autênticas colónias internas onde se concentram as populações não-brancas, nas quais vigora um estado de exceção permanente, e onde uma polícia militarizada se comporta como um exército ocupante levando a cabo, com total impunidade, execuções extrajudiciais; um país que viu e vê nascer inúmeros filhos e filhas de imigrantes, mas lhes nega a nacionalidade; um país que agora endeusa Éder, mas que recentemente obrigou Renato Sanches a mostrar os papéis para confirmar a sua idade; um país, cujo hino e bandeira celebram a conquista e a vitória sobre os nossos antepassados.

Recusamo-nos a aceitar como inevitável a nossa posição de subalternidade, e a ideia de que Portugal seja um país de brandos costumes. É tempo de quebrar este pesado silêncio, e passar da celebração a um combate sem tréguas, por um país que ofereça a todos os seus habitantes real igualdade de oportunidades, incluindo a de participar em todas as esferas da sociedade.

Para lá de palavras, o combate ao racismo branco da sociedade portuguesa exige medidas concretas. Nesse sentido, exigimos:

1. Medidas que garantam o acesso efectivo às esferas da sociedade que nos permanecem vedadas. Não aceitamos que, das unidades de saúde à função pública, passando pelos órgãos de comunicação social, escolas e universidades, todos estes espaços permaneçam exclusivos a portugueses brancos;

2. A desmilitarização imediata da polícia, e o fim imediato das operações do CIR (Corpo de Intervenção Rápida) nos nossos bairros, como primeiro passo rumo à abolição total da PSP e GNR, e sua substituição por mecanismos de garantia da segurança colectiva, baseados nas comunidades;

3. Uma comissão de inquérito independente aos assassinatos perpetrados pela policia;

4. A passagem do racismo a crime, público e com penas tipificadas no Código Penal;

5. A exclusão de conteúdos racialmente discriminatórios dos manuais escolares e do Plano Nacional de Leitura;

6. A reforma da Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial, no sentido de garantir a representação das comunidades não-brancas e imigrantes;

7. Definição clara e inequívoca de práticas discriminatórias, com critérios de avaliação e punição;

8. Direito à nacionalidade e cidadania plena para todos os nascidos em Portugal, e para todos os habitantes no território nacional que a requeiram;

9. O direito ao voto para todos os residentes em Portugal.

Queremos viver num país que respeite todos os seus habitantes, que os reconheça a todos e todas por igual, e que permita o pleno desenvolvimento do potencial de cada um. Estamos aqui para todos os combates que for necessário travar para alcançar esse objectivo, usando todos os meios ao nosso alcance. Ainda não conquistámos nada.