A família Canas, representada por Pedro Canas, é proprietária dos terrenos da Cova da Moura. Não quer expulsar ninguém mas há anos que tenta, junto da autarquia e do Estado, uma compensação justa pelo que é seu. E não é o que tem acontecido Qual é a história dos terrenos da Cova da Moura?
O meu avô tinha uma exploração de vacas leiteiras e contava com a
ajuda do senhor Moura que era o vaqueiro, que o enganou, foi despedido e
acabou com a exploração. O que sabemos é que havia um buraco onde foi
tirada pedra para o Aqueduto de Lisboa, o senhor Moura meteu-se nessa
antiga pedreira e ficou conhecido como o Moura da Cova. Não sei porque é
que mudou, porque chama-se Casal do Outeiro. Estas duas parcelas julgo
que se chamavam Pata da Burra e Terras de Semeadura. Entretanto veio a
descolonização, a malta chegou a Portugal e não tendo sítio onde ficar, a
câmara e o Estado dizem ‘ocupem que depois tratamos com os
proprietários’. E a lei também mudou.
O seu avô usava esse terreno?
Não, o meu avô morreu em 1967.
Mas a sua família usava?
A minha mãe e a minha tia. Já tinha algumas barracas, mas o terreno
não estava ocupado com a agricultura. Estavam um pouco à espera do que
viesse. Chegámos a ter umas searas para manter o campo semeado. Não era
muito importante estarmos a explorá-lo agricolamente porque temos outras
terras com outras dimensões para isso e também não era nosso intuito
ter uma quinta em Lisboa. A ideia era passar a terreno urbano visto que
estava tudo a ser organizado para esse fim e os terrenos são nossos há
muitas gerações. Não comprámos o terreno ocupado, nem o roubámos. Quando
se olha para uma quinta que está encostada às paredes de Lisboa
pensa-se em urbanizar, o meu avô quando ficou com isto ainda o explorou
com vacas leiteiras, apesar de nem ser esse o seu core business, mas era
para manter o espaço ocupado, embora houvesse, nessa altura, facilidade
em desocupar. Como era filho de agricultores não gostava de ver as
coisas ao abandono, tal como acontece agora com a família. Tudo o que
temos não tem nada ao abandono. Em 1979/80 foi apresentado um projeto
para a construção de 1.180 casas, umas moradias e no alto uns prédios.
Na altura, os terrenos pertenciam à Câmara de Oeiras, mas como já estava
em transição para a Amadora, o processo foi arquivado porque não sabiam
o que haviam de fazer às pessoas. Já estavam bastantes mais famílias a
viver lá.
O principal problema foi a descolonização?
Sim, foi quando houve uma enchente. Havia cinco, seis ou dez barracas, e de repente, explodiu.
E também houve a tal mudança na lei…
Sim, julgo que a lei tenha mudado porque passámos a não ter direitos a
chegar com uma tabuleta e a pedir ‘saiam daqui’, como acontecia antes
do 25 de Abril. Reparem, em 1975, foram ocupados três milhões de
hectares em Portugal, no Alentejo, Ribatejo e por aí. Não eram
importantes 18 hectares.
Começou a ficar descontrolado?
E quem é que poderia dizer seja o que for? Quando as coisas acalmaram
foi quando começámos a trabalhar com um arquiteto para fazer um projeto
de urbanização.
Sendo um terreno agrícola teria de haver alterações para avançar um projeto urbanístico…
Nessa altura, não se falava nisso e nem os requisitos eram como são
hoje. Apresentava-se um projeto e a câmara dizia se se podia ou não
fazer. Como era num alto, uma terra redonda, nunca houve esses
problemas. Aliás, já se começava a construir à volta várias coisas.
Teríamos concorrência porque, na altura, José Guilherme e Vítor Santos
já estavam a começar a construir na zona da Amadora e fazer um projeto
destes de 18 hectares secava tudo à volta. Não sei se terá sido uma
ajuda para encravar isto mas, na altura, a resposta que nos deram em
relação ao projeto é que não sabiam o que haveriam de fazer.
Quem é dono do terreno não tem responsabilidade de realojar…
Essa responsabilidade é da câmara. Nessa altura, foram também
ocupadas muitas casas de praia. Julgo que tenham vindo 1,5 milhões de
retornados das ex-colónias com as calças na mão ou sem calças até.
Tinham de ser postos em qualquer lado. Puseram-nos aqui, façam as vossas
barracas e como muitos eram malta que trabalhava nas obras aos poucos
começaram a deixar de ser de madeira para começarem a ser de cimento.
Nós sempre a intervir e a perguntar e eles sempre a dizerem-nos ‘temos
de fazer’, ‘temos de resolver’, ‘espere aí’, ‘como é que vamos fazer?’ e
nada.
Deixaram de ter acesso ao terreno nessa altura?
Um bocadinho antes. Em 1975 começou a ocupação, em 1976/77 já
estávamos perdidos. Já estava bastante ocupado e perdeu-se o controlo da
propriedade. Continuámos sempre a falar com a câmara para resolver e
arranjar umas ideias. Foi também essa uma das razões porque não entrámos
em tribunal nem em litígio seja com quem for, sempre estivemos a tentar
resolver os problemas a bem, até era muito mais fácil para a câmara ou
para o Estado se fôssemos a tribunal e disséssemos: ‘Agora o tribunal
que decida e depois logo vemos o que vamos fazer’. Nunca quisemos isso e
quisemos manter sempre as conversações. E, mesmo que se colocasse essa
hipótese de avançar para tribunal, seria complicado porque aquilo ganhou
uma dimensão de tal maneira, de tal ordem, que seria preciso avançar
com centenas de processos. Era impensável, impossível. E havia sempre – e
essa é que é a verdade – da parte da câmara uma disponibilidade de
resolver e demos sempre esse crédito.
E já estamos em 2024…
E a partir dos anos 90 ganhou uma outra dimensão… Tentámos falar com o
antigo presidente da câmara, Joaquim Raposo, e já fui eu a representar a
família. Tentámos arranjar uma solução e ele disse que ia ver até
porque poderiam vir fundos europeus que ajudavam, já que a Câmara da
Amadora acabava por ser uma autarquia pobre com imensos problemas.
Talvez assim conseguíssemos resolver o problema, mas tínhamos de
esperar. Mais tarde uma das coisas que nos exigiram foi a titularidade
da propriedade e não entrámos em negociação nenhuma ou não íamos aceitar
que fizessem projetos enquanto não nos pagassem o terreno.
Entrevista a Pedro Canas Vigouroux, dono dos terrenos da Cova da Moura