O Tribunal da Relação de Lisboa (TLR) recusou devolver o dinheiro encontrado no escritório do ex-chefe de gabinete do antigo primeiro-ministro António Costa, a Vítor Escária. Recorde-se de que em causa estão 75.800 euros, guardados em envelopes e numa caixa de uma garrafa de champanhe.
A notícia é avançada pelo Público, que cita o acórdão em causa, entretanto também enviado ao Notícias ao Minuto.
Segundo o documento, a defesa de Vítor Escária alegava que “a manutenção da medida de apreensão do dinheiro” era “ilegal” e que “nem a posse de dinheiro é susceptível de se traduzir numa fundada suspeita da prática de um crime, nem constitui notícia do crime", “devendo por isso ser revogada e substituída por decisão que revogue a medida de apreensão do dinheiro apreendido ao recorrente e ordene a sua imediata restituição".
Com isto dizendo que a existência de dinheiro no escritório do ex-chefe de gabinete de um primeiro-ministro não pressupõe, à partida, que ocorreu um crime ou sequer leva à suspeita disso mesmo.
“Ora, se dúvidas não há de que se, numa busca, for encontrada ‘ao acaso’ uma granada, a granada constitui, por si só, uma fundada suspeita da prática de um crime (na medida em que a mera posse da mesma está tipificada como ilícito criminal), a mesma coisa não pode dizer-se da posse de dinheiro! Pela simples, mas decisiva, razão de a posse de dinheiro não constituir nem revelar a prática de qualquer ilícito criminal!”, defendeu a defesa de Vítor Escária.
Relação de Lisboa recusa devolver 75.800 euros a Vítor Escária
A Relação de Lisboa não concordou.
“A posse de dinheiro em si não é susceptível de indiciar a prática de um crime, mas a posse de uma quantia em dinheiro superior a 70 mil euros guardado num gabinete do chefe de gabinete do primeiro-ministro em dossier ou caixas de garrafas é susceptível de levantar suspeita de prática de crime, sobretudo se o buscado não conseguir explicar a sua proveniência”, consideraram os juízes Francisco Henriques, Ana Rita Loja e Cristina Almeida e Sousa.
Ou seja, que 70 mil euros, de certa forma ‘escondidos’ no escritório de um funcionário com um alto cargo político, é bastante suspeito.
Os juízes afirmaram que importa apurar de onde veio o dinheiro, “considerando que o recebimento e posse de tais quantias poderá integrar a prática de crimes de corrupção, recebimento indevido de vantagem, fraude fiscal, desobediência qualificada e ocultação intencional de património ou ainda vantagem do crime de tráfico de influência, sendo portanto manifesto que tais objetos poderão estar relacionados com a prática de crime."
E acrescentaram que existem suspeitas de que as quantias apreendidas estejam relacionadas com investigações abertas já antes das buscas terem lugar, sendo assim considerados “meios de prova de tais factos”.
Contudo “mesmo que assim não se entenda, é por demais evidente que a posse e auferimento de tais valores sem que os mesmos tenham sido oportunamente declarados à Autoridade Tributária e ao Tribunal Constitucional revela indícios da prática de, pelo menos, crimes de fraude fiscal”.
A devolução tinha já sido recusada em março deste ano pelo Tribunal Central de Instrução Criminal, em Lisboa.
O mesmo documento refere ainda que em novembro de 2023, na altura em que foram efetuadas as buscas, Vítor Escária alegou que dos 75.800 euros que foram encontrados, apenas 7.620 lhe pertenciam e que desconhecia a existência do restante encontrado no seu gabinete.
Entretanto, o ex-chefe de gabinete de António Costa mudou durante o primeiro interrogatório feito perante o juiz de instrução: Escária admitiu que os mais 70 mil euros eram dele e que fazem parte do dinheiro que recebeu a dar aulas em Angola.
Mais de 70 mil euros encontrados em notas de 20 e 50 euros
O acórdão descreve ainda, em pormenor, os locais do escritório em que foram encontradas tranches de dinheiro.
7.620 euros, em notas de 20 euros, guardados num dossier de plástico azul, A4, arquivado numa estante; 20 mil euros, em notas de 50, num envelope A4 com o timbre do gabinete do primeiro-ministro, encontrado na última gaveta de um dos módulos no gabinete; 8.260 euros, em notas de 20, numa pasta arquivadora branca; e 40 mil euros, em notas de 50, guardados numa caixa própria para guardar uma garrafa de champanhe.
“Atentas as funções desempenhadas pelo arguido Vítor Escária aquando da apreensão da aludida quantia monetária (chefe do Gabinete do Primeiro-Ministro do XXIII Governo Constitucional), o local onde o dinheiro foi encontrado (Gabinete ou escritório do Chefe de Gabinete do Primeiro Ministro), bem como a forma como o numerário estava repartido e dissimulado, fazem suspeitar da prática por aquele, para além do mais e para o que agora releva, do crime de recebimento indevido de vantagem”, afirmou ainda o juiz de instrução, Nuno Dias Costa.
O recurso apresentado pela defesa de Vítor Escária previa também a devolução dos restantes dispositivos apreendidos durante as buscas em novembro de 2023, supondo que já teria sido feita a cópia forense, recolha e análise da informação nos mesmos e que, por isso, já não teriam utilidade à Justiça e poderiam ser devolvidos ao arguido.
Contudo, o acórdão esclareceu que “contrariamente ao presumido pelo arguido ora requerente, não se logrou ainda realizar tal cópia e encontram-se ainda em curso diligências técnicas cuja realização não prescinde dos equipamentos”.
“Ora, até que tais diligências se mostrem asseguradas, dúvidas não subsistem que se impõe- manter a apreensão dos dispositivos, por só assim se acautelar a devida preservação e custódia da prova, na medida em que, sendo os equipamentos restituídos de imediato ao ora requerente, sempre este poderá alterar ou eliminar os dados que sejam relevantes para efeitos de prova”, continuou a nota.
Recorde a Operação Influencer
A Operação Influencer levou no dia 7 de novembro de 2023 às detenções do, então, chefe de gabinete de António Costa, Vítor Escária; do advogado e consultor Diogo Lacerda Machado (amigo do ex-primeiro-ministro); dos administradores da empresa Start Campus Afonso Salema e Rui Oliveira Neves; e do presidente da Câmara de Sines, Nuno Mascarenhas.
São ainda arguidos o ex-ministro das Infraestruturas João Galamba, o ex-presidente da Agência Portuguesa do Ambiente, Nuno Lacasta, o advogado João Tiago Silveira e a Start Campus.
O processo foi entretanto separado em três inquéritos, relacionados com a construção de um centro de dados na zona industrial e logística de Sines pela sociedade Start Campus, a exploração de lítio em Montalegre e de Boticas (ambos distrito de Vila Real), e a produção de energia a partir de hidrogénio em Sines.
O antigo primeiro-ministro, António Costa, que surgiu associado a este caso, foi alvo da abertura de um inquérito no MP junto do Supremo Tribunal de Justiça, situação que o levou a pedir a demissão do cargo. Com a saída do cargo e a consequente perda de foro especial para investigação, o processo relativo ao ex-governante desceu para o Departamento Central de Investigação e Ação Penal.



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