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Grupos de contra-manifestantes "anti-fascistas" tentaram entrar em confronto com os participantes na marcha organizada pelo grupo de extrema-direita 1143 |
PSP abre inquérito para apurar agressões a manifestantes e jornalistas ponderam avançar com queixa
Dois jornalistas, devidamente identificados, estão a ser orientados por um advogado e tencionam apresentar queixa contra os polícias. Vídeos das agressões viralizaram nas redes sociais.
As agressões policiais contra um grupo de manifestantes na Praça do Município serão investigadas. O Comando Metropolitano de Lisboa decidiu determinar “abertura de inquérito à atuação da PSP”, conforme comunicado enviado ao DN. A ordem é do Comandante Luís Fiães Fernandes.
Em causa está a violência policial sofrida por pelo menos seis pessoas que estavam no local no último sábado. O grupo “antifascista” esperava a chegada dos manifestantes nacionalistas que desciam a rua numa “caixa de segurança” da PSP. Vídeos publicados nas redes sociais registaram as agressões.
Além dos manifestantes, dois jornalistas relatam ao DN terem sido agredidos por agentes na mesma ocasião. Bernardo Afonso, do Fumaça, conta que identificou-se aos policiais como jornalista, mostrando a carteira profissional. “Eles começaram a avançar sem nenhuma ordem, a primeira agressão que sofri foi justamente na mão em que estava a minha carteira, que caiu no chão. Eu juntei e tentei, mais de uma vez, tentar falar com eles”, explica. “Levei bastonadas, empurrões e pontapés, além de uma bastonada na cabeça quando já estava bem afastado, fiquei muito assustado”, complementa.
O relato de João Biscaia, do Setenta e Quatro, é semelhante. “Senti primeiro um pontapé e um empurrão de um polícia ao qual eu já tinha mostrado a carteira de jornalista”, afirma. “Perguntei porque me estavam a bater e fui encurralado contra a parede, também levei um soco no maxilar”, ressalta.
Os jornalistas também destacam que, no meio da confusão, viram as agressões contra as demais pessoas que estavam no local, inclusive “contra quem já estava imobilizado no chão”. Munida dos vídeos e demais provas que afirmam ter, a dupla está a ser auxiliada por um advogado para os orientar sobre medidas a tomar. Bernardo e João têm a intenção de avançar com uma queixa conjunta. Os jornalistas não precisaram de atendimento médico, mas estão a tomar analgésicos e ainda sentem dores.
Os seis jovens agredidos, que se denominam militantes “antifascistas”, informaram ao DN que decidiriam hoje se avançavam ou não com queixa. Até ao fecho deste texto, eles ainda não haviam respondido aos contactos para esta reportagem.
Diàrio de Notícias - 06 fevereiro 2024
amanda.lima@globalmedia.group.pt
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Diversidade vs. ódio: Lisboa palco de protesto xenófobo e arraial antirracista
De um lado da cidade, um evento que celebrou a diferença e a integração dos imigrantes. Do outro, nacionalistas fizeram saudações nazis, exaltaram o ditador Salazar e acenderam tochas em protesto contra “não-portugueses”. Apesar de tudo, não houve violência.
O ensolarado sábado de inverno foi palco de duas manifestações distintas, ontem, em Lisboa. Quem passou no Largo do Intendente, ao final da tarde, viu um espetáculo de música, culinária diversa e cartazes com frases “Imigrantes, bem-vindos”. Na rua ao lado, dezenas de indianos, paquistaneses e estrangeiros de vários países assistiam timidamente à festa, filmavam e tiravam fotos. Outros, seguiam o dia normal de trabalho, com restaurantes cheios de clientes e especiarias no ar - ainda que alguns tenham decidido fechar as portas do comércio, por medo. Quase todos se recusam a falar com a imprensa e apenas observam mais ao longe, sem participar ativamente da celebração.
No palco montado, o ativista António Tonga, um dos organizadores do evento, diz que este é para “proteger as pessoas que vivem e trabalham na rua ao lado”, referindo-se à Rua do Benformoso. Acrescenta que os imigrantes “têm direito à sua existência e são pessoas como nós”.
Do outro lado do Largo do Intendente, onde existem várias esplanadas, turistas veem com graça a manifestação cultural, como mais um dia normal na cidade que abriga historicamente diferentes nacionalidades.
A manifestação reuniu centenas de pessoas de todas as idades, que repetiam a frase “Não passarão”. A polícia estava por perto, mas não foi registado qualquer incidente e o arraial seguiu noite adentro.
A menos de um quilómetro dali, o cenário era outro. O grupo nacionalista 1143, ano da fundação de Portugal, ocupou o Largo de Camões com uma manifestação contra a “Islamização da Europa”. As palavras de ordem eram “Portugal aos portugueses”, o hino nacional e exaltação ao ditador Salazar, além de palavrões e diversas saudações nazis. Jornalistas foram chamados de terroristas e aqueles que se manifestaram contra foram chamados de “fascistas” e “comunistas”.
O grupo também criticou o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, por ter proibido a manifestação no Martim Moniz e por “ser casado com uma marroquina”.
Liderados pelo militante neonazi Mário Machado, com um extenso cadastro por crimes de ódio, os participantes usavam T-shirts e anéis do movimento 1143, que pretende “reconquistar Portugal”.
O líder classificou imigrantes de fora da Europa como “escumalha” e, em entrevista à comunicação social, culpou - sem justificar com quaisquer dados - os estrangeiros pela falta de atendimento na rede pública de Saúde e vagas nas creches, além de classificar como “atrasados mentais” todos os que apoiam a imigração, citando partidos de esquerda.
Diário de Notícias - 06 fevereiro 2024
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Grupo de nacionalistas desceu a Baixa-Chiado com gritos xenófobos
Tochas acesas, como em Charlottesville
Esta última manifestação foi organizada através de grupos nas redes sociais e financiada por doações de simpatizantes. O dinheiro foi usado, por exemplo, para a compra de tochas de fogo, acesas no início do protesto. A cena lembrou a marcha de supremacistas brancos em Charlottesville, nos Estados Unidos, em 2017.
Alguns dos participantes usavam panos no rosto para esconder a identidade enquanto gritavam insultos aos imigrantes. A maior parte era de adultos do género masculino, vindos de diversas regiões do país. Mulheres e crianças também lá estavam.
O protesto contou com forte proteção policial, que criou uma “caixa de proteção”, como costuma fazer com as claques de futebol. De acordo com fonte oficial da Polícia de Segurança Pública (PSP), cerca de 200 pessoas participaram do protesto xenófobo - ainda que jornalistas no local contabilizassem muito menos: “Uma centena” para a Lusa; “cerca de 50” para a CNN Portugal.
Enquanto os nacionalistas desceram pelas ruas da Baixa-Chiado com tochas acesas, sempre aos gritos de palavras de ordem e mais saudações nazistas, os turistas nas ruas olhavam assustados, ou a gravar a cena com os smartphones. Alguns esconderam-se dentro de lojas e outros até choraram.
O momento mais tenso ocorreu quando se cruzaram com militantes antifascistas. Estes gritavam “25 de Abril sempre” e “Não passarão”, ao que os nacionalistas responderam: “Já passámos.”
A manifestação terminou frente à Câmara Municipal de Lisboa, onde foi colocada a faixa com a frase “Portugal aos portugueses”.
À mesma hora, no Largo do Intendente, a festa continuava e o sábado dos imigrantes que escolheram Lisboa para viver também.
Diário de Notícias - 06 fevereiro 2024
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Antifascistas agredidos pela PSP decidem hoje se apresentam queixa
PSP alega ter usado “meios de baixa potencialidade letal” contra os manifestantes no último sábado. Seis jovens foram levados às Urgências com ferimentos causados pelos agentes.
Militantes antifascistas decidem hoje à tarde se apresentam ou não queixa à Polícia de Segurança Pública (PSP) pelas agressões sofridas numa carga policial no último sábado, que deixou seis pessoas feridas e a necessitar de cuidados médicos. A intervenção das forças de autoridade aconteceu na Praça do Município, minutos antes da chegada dos manifestantes nacionalistas, que desciam a rua numa “caixa de segurança” das forças policiais, contra os quais os agredidos se manifestavam . Conforme o DN atestou no local, à chegada do grupo liderado por Mário Machado, na praça já só restavam agentes no local e todo o perímetro estava encerrado ao trânsito.
“Vamos decidir em conjunto se avançamos ou não com uma queixa, porque não acreditamos que o órgão que nos agrediu nos vá dar Justiça”, explica ao DN Sara Gaspar, uma das agredidas. A bióloga de 30 anos estava na linha de frente de um grupo de aproximadamente “uma centena de pessoas”, próximo da Câmara Municipal de Lisboa.
“O nosso objetivo era fazer uma manifestação antifascista sem violência. Isto foi muito rápido, num instante a polícia chamou a força especial, que nos começou a empurrar. Não houve nenhum aviso, foi só violência. Quando disseram para recuarmos, já estávamos a levar com escudos e cassetetes”, conta. Também foi usado gás pimenta contra o grupo.
O DN teve acesso ao relatório médico de Sara em que estão registadas “duas incidências nas mãos, duas no joelho e duas no punho”. O documento também refere a presença de hematomas. Sara reitera que a linha dos manifestantes antifascistas era de “não-violência” e que apenas queriam marcar posição contra “um protesto que, num Estado de Direito nunca deveria ter acontecido”.
Um dos vídeos a que o DN teve acesso mostra um homem deitado no chão e a levar, pelo menos, duas bastonadas de um agente. E Constança Lobão, de 26 anos, acompanhou até o hospital um dos agredidos, que estava com um corte na perna, tendo acabado por levar pontos.
“Baixa potencialidade letal”
Ao DN, a Direção Nacional da PSP diz que foram “usados meios de baixa potencialidade letal, enquadrados pelo princípio da mínima intervenção necessária, proporcionalidade e adequação”. A polícia ainda afirma que, antes, os agentes presentes na Praça do Município “solicitaram a esse grupo de pessoas, pela via do diálogo, que se ausentasse daquela zona com o intuito de não ocorrer qualquer tipo de confrontação entre as duas ações de protesto” e que o motivo era “uma questão de segurança de todos os cidadãos”.
Ainda conforme a PSP, “existia elevado perigo de perturbação da ordem pública” o que, tendo em conta a “renitência desse grupo em ausentar-se do local”, obrigou à intervenção. Nos vídeos publicados nas redes sociais ainda se ouve um grito de alerta para a presença de um jornalista entre os manifestantes. O Comando nega que jornalistas tenham sido agredidos.
De acordo com Sara, três pessoas foram levadas pelos agentes e deixadas em outra rua, sem explicações sobre o motivo. Questionada pelo DN, a PSP apenas informou que “foram identificados três indivíduos e comunicado ao Ministério Público”.
O DN enviou pedido de esclarecimentos ao Ministério da Administração Interna (MAI) sobre a atuação dos polícias. A resposta foi uma “sugestão” de contactar a PSP sobre o assunto.
Sábado de protestos
As ruas da Baixa-Chiado, no fim da tarde de sábado, foram palco de uma manifestação do grupo 1143, contra uma alegada “islamização” do país. Inicialmente o protesto estava marcado para ocorrer no Martim Moniz, onde reside um grande número de imigrantes. No entanto, não foi autorizada pelo elevado risco de segurança.
O grupo não desistiu e marcou o ato para o Largo de Camões, com marcha até à Câmara Municipal, já perto do Cais Sodré. Mais de 100 pessoas desceram às ruas com tochas acesas, foguetes luminosos e aos gritos em homenagem ao ditador Salazar, contra os imigrantes que vivem em Portugal e a cantar o hino nacional português. No grupo, onde seguiam várias crianças, ainda se viram saudações nazis. Durante o caminho, os nacionalistas ainda ouviram gritos de oposição - com invetivas de “não passarão” -, mas não foram registados confrontos.
No Largo do Intendente houve um arraial multicultural, com a presença de diversos coletivos e entidades de apoio aos imigrantes. O ato teve apresentações musicais, discursos e confeção de cartazes. A polícia esteve presente, mas nenhum incidente foi registado.
Diário de Notícias - 06 fevereiro 2024
amanda.lima@globalmediagroup.pt
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