A reorganização da estrutura de poder dentro da comunidade islâmica portuguesa é um fenómeno que se tornou mais perceptível quando da saída do seu líder de muitos anos, Abdool Karim Vakil, substituído por Mahomed Iqbal.
Até então, a estratégia de integração e, até certo ponto, de assimilação da comunidade islâmica na sociedade portuguesa decorria sem rupturas ou conflitos.
Mas nos últimos anos do seu longo mandato à frente da Comunidade Islâmica de Lisboa (CIL), Abdool Karim Vakil (pai) enfrentava já uma forte contestação interna de um grupo em ascenção, os Tabligh Jamaat, por ser considerado demasiado pró-"kufr", (كُفْر - termo que significa incredulidade ou descrença em Alá e em seus ensinamentos conforme revelados no Alcorão e na Sunnah), o oposto de "iman" (fé).
Essa contestação começou a surgir à medida que a natureza da comunidade islâmica em Portugal conheceu um processo de "substituição", provocado pela imigração de muçulmanos provenientes do Paquistão, Bangladesh e Índia, nas duas últimas décadas.
Até então, a maioria da comunidade islâmica era composta por muçulmanos provenientes de Moçambique e seus descendentes - muçulmanos já com uma forte ligação à cultura portuguesa, muitos deles nascidos naquela colónia portuguesa. Nas duas últimas décadas, a composição da comunidade islâmica sofreu alterações profundas. Os recém-chegados muçulmanos, provenientes dos países indostânicos e muitos deles pertencentes a um ramo do Islão, os Tabligh Jamaat, rapidamente se transformaram na "força de maior dinamização do Islão entre os muçulmanos em Portugal", de acordo com Abdool Karim Vakil (filho), investigador do King's College, em Londres.
Graças a essa imigração regular, o número de muçulmanos indostânicos rapidamente ultrapassou o grupo de muçulmanos provenientes de Moçambique. Nos últimos actos eleitorais antes da sua saída de presidente da Comunidade Islâmica de Lisboa (CIL), Abdool Karim Vakil viu-se obrigado a "negociar" com os Tabligh Jamaat, para conseguir votos suficientes para a sua eleição. Em contrapartida, os Tabligh Jamaat exigiram lugares na direcção da CIL. O exemplo mais visível dessa negociação era a presença naquele órgão directivo do líder dos Tablih Jammat em Portugal, Esmael Loonat.
Mas o "rigoroso tradicionalismo, traduzido na prescrição do próprio vestuário, na estrita separação entre os sexos, numa atitude de distanciamento em relação à sociedade exterior, representa (...) um factor de ruptura na tendência histórica para a integração na atitude dos muçulmanos em Portugal", salienta Abdool Karim Vakil (Filho), numa investigação intitulada “Do Outro ao Diverso – Islão e Muçulmanos em Portugal: história, discursos, identidades”
Os
Tablighi Jamaat, que significa "o partido dos pregadores do Islão" foi
fundado em 1926 pelo clérigo indiano Muhammad Ilyas al-Kandhlawi com o
objetivo de espalhar o Islão para os não-muçulmanos e também para
purgar a fé das influências de outras religiões, mais notavelmente as
influências hindu e cristã na Índia Britânica na época.
A
organização é um remanescente do movimento Deobandi do Islão, que surgiu
na cidade indiana de Deoband, como resposta à suposta deterioração dos
valores islâmicos na Índia. Antes um movimento local, os Tablighi Jamaat
espalharam-se pelo mundo inteiro. O grupo também organiza reuniões
anuais que têm lugar na cidade de Raiwind, na Índia e
também no Bangladesh.
O
movimento islâmico Tabligh Jamaat também reúne anualmente na Mesquita de
Lisboa, num encontro internacional que decorre num ambiente
aparentemente calma e descontraído, de acordo com a Lusa. No entanto, num
recente encontro, os membros do movimento recusaram falar à Comunicação
Social, alegando que apenas que Esmael Loonat (um dos líderes do Tabligh
Jamaat em Portugal) podia falar. Para além de Esmael Loonat, vários
responsáveis da Comunidade Islâmica do Sul do Tejo e da Escola Islâmica
de Palmela são membros do movimento.
De acordo com Esmael Loonat, em declarações ao jornal Público, da parte dos Tabligh Jamaat "não existe rejeição dos valores ocidentais (…) os pregadores do Tabligh também não têm como objectivo a conversão dos não-muçulmanos (…) Só desenvolvemos a nossa actividade junto dos muçulmanos", acrescentou. Curiosamente, nessa ocasião, Esmael Loonat não autorizou nenhum órgão de Comunicação Social a obter imagens suas, fossem fotos ou gravações para as TV's - um interpretação extremista do Islamismo que proíbe a reprodução de qualquer imagem humana.
A rejeição dos valores ocidentais, por parte dos Tabligh Jamaat, é revelada de forma clara num artigo publicado em 2001, na revista islâmica Al-Madinah, editada pela Comunidade Islâmica do Sul do Tejo. De acordo com esse artigo da revista Al-Madinah,
"nas escolas comuns (...) torna-se impossível salvaguardar a fé. A
solução disto passa pela criação de instituições islâmicas, onde as
crianças possam crescer num ambiente islâmico" - sendo a Escola Islâmica de Palmela um exemplo dessa estratégia.
Em 2004 os Tabligh Jamaat editaram uma tradução portuguesa daquilo que é a sua "bíblia", um livro intitulado "Fazail-E-Amaal", “As virtudes das acções”,
que esteve à venda na Mesquita de Lisboa apenas durante algumas horas. A
publicação, no semanário O Independente, de duas páginas sobre o
movimento em Portugal e o conteúdo de "As Virtudes das Acções" (versão portuguesa) atraiu a atenção de outros Órgãos de Comunicação Social e quando
chegou à Mesquita de Lisboa uma primeira carrinha da televisão, os elementos do
grupo retiraram a publicação, rapidamente, dos escaparates.
No entanto, o próprio imã da Mesquita, David Munir, aconselhou a sua leitura durante a habitual oração de sexta-feira, afirmando que era "uma boa leitura para todos os muçulmanos".
O último capítulo do livro "As Virtudes das Acções" que tem como
título: “A Degradação Muçulmana e a sua Única Solução” apela a um “forte
contra-ataque”, no intuito de recuperar o domínio do Islão sobre o
mundo, dentro dos limites e das directrizes da “Shariah”.
O livro propõe ainda que, para atingir
esses objectivos, sejam adoptados os “métodos e os meios demonstrados
pelo Santíssimo Profeta de Alá, isto porque o profeta não só foi bem
sucedido no seu objectivo, como foi capaz de eliminar todas as relações
(religiosas) entre os seus seguidores e elementos de fora”, acrescenta-se no livro "As Virtudes das Acções". Actualmente, há pelo menos oito comunidades
islâmicas que estão a preparar a abertura de outras tantas escolas
islâmicas, idênticas à Escola Islâmica de Palmela.
Para além disso, existem dezenas de "madrassas" (escolas religiosas islâmicas) espalhadas pelo país. A acrescentar a isto, há o facto de, na maioria das comunidades muçulmanas existentes em Portugal funcionarem "tribunais islâmicos", onde os casos são julgados de acordo com a "Sharia", a lei islâmica. Um desses tribunais funciona, há mais de uma dezena de anos, na Mesquita de Lisboa e é presidido pelo xeque David Munir.
Para além da Mesquita de Lisboa há mais de uma centena de locais de culto islâmicos, espalhados pelo país (incluindo até nos Açores). Embora não haja números oficiais, calcula-se que existam actualmente mais de 200 mil muçulmanos em Portugal, a maioria proveniente do Bangladesh e Paquistão, uma vez que a comunidade islâmica conheceu uma expansão assinalável, nos últimos anos, com a política de imigração do governo de António Costa.

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