A notícia é do Público de hoje, dia 29 de Setembro e enche duas páginas com a novidade: "O tempo ainda é de teste, mas já sabe a vitória para quem há muito sonha com a inclusão da história dos portugueses ciganos nos manuais escolares". O artigo lembra os "séculos e séculos de leis repressivas" que afectaram os ciganos. Em 2018, a Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância "aconselhou Portugal (…) a reconhecer o contributo de afrodescendentes e ciganos na sua História." O Público destaca ainda que, a nível escolar "(…) há um contexto de grande hostilidade em relação a este grupo de portugueses." Em relação à História de Portugal, há um par de referências ao Holocausto cigano "que não faz parte da História de Portugal, mas da História Internacional. No conjunto de iniciativas previstas "também haverá uma formação de escrita criativa para jovens e jovens ciganos".
No final do ano lectivo, "haverá umas jornadas de balanço do trabalho desenvolvido. O plano é publicar um livro sobre história e literatura oral cigana, criar um Museu Virtual, construído com comunidades ciganas, fazer uma grande festa de lançamento", entre outras iniciativas. O ênfase dado a uma comunidade que representa apenas 0,5 % da população portuguesa parece-me algo exagerado. Mais ainda quando esses 0,5 % (cerca de 50 mil, de acordo com o Conselho da Europa, representam 5 % da população prisional - ou seja, dez vezes superior às taxas normais de prisão. Um cigano tem dez vezes mais probabilidade de ser preso do que outros cidadãos portugueses.
Que valores se pretende trazer para estudo dos jovens, com esta inserção do tema da comunidade cigana nos currículos escolares? A rejeição da escolaridade, sobretudo para as raparigas? O casamento combinado, com jovens de 13, 14 anos? Os episódios de violência, que são frequentes, por exemplo, em hospitais, onde famílias inteiras agridem, com relativa frequência, os profissionais de saúde, por não serem imediatamente atendidos? A violência gratuita que se revela até no seio das próprias famílias? Ainda há algumas semanas dois jornais diários noticiavam um caso de homicídio num "acampamento" (maneira de fugir à designação "cigano"). Tratou-se de um conflito entre familiares que terminou com um tiro de caçadeira e um jovem morto.
Um dos jornais afirmava que se tinha tratado de um conflito em torno do casamento de uma jovem de 14 anos, o outro periódico afirmava que tinha sido uma quezília por causa da venda de um cavalo. A criminalidade e o uso de armas de fogo são notícia frequente nos jornais, embora se utilizem subtis formas de identificar os intervenientes como ciganos, sem utilizar essa palavra - o politicamente correcto aplicado pelos jornalistas.
De acordo com CEMME – Centro de Estudos de Migrações e Minorias Étnicas - num trabalho elaborado em Janeiro de 2007 - "QUE FUTURO TEM PORTUGAL PARA OS PORTUGUESES CIGANOS?" - de José Gabriel Pereira Bastos, no final de Maio de 1998, encontravam-se detidos em prisões portuguesas, entre preventivos (34,7%) e condenados, 787 pessoas de etnia cigana, mais de dez vezes a taxa de população nacional (não cigana) encarcerada que, em 1997, era de 145 reclusos por 100 mil habitantes, e a proporção de mulheres ciganas presas (11, 6 % de todas as presas) mais do que duplicava a média nacional de encarceramento de ciganos, os quais constituíam 5,5 % de todos os presos à data (J. J. Moreira: 1998: 8).
A criminalidade violenta praticada pelos ciganos, muitas vezes no interior da própria comunidade e até da família, é sempre tema político. Tornou-se um tabú de Esquerda, que não referencia casos de criminalidade violenta envolvendo ciganos. A Direita, por seu lado, destaca esses episódios. Recentemente, uma pessoa morreu e duas ficaram feridas num tiroteio nas imediações do centro comercial Palácio do Gelo, em Viseu. Um vídeo divulgado nas redes sociais mostra o momento em que os tiros são disparados, vê-se uma vítima ser atingida e o pânico vivido de seguida. André Ventura não tardou a reagir e a culpar os ciganos - “os mesmos de sempre", nas palavras do líder do Chega. Na SIC Notícias, Rui Tavares e Sebastião Bugalho comentaram o episódio.
Para o porta-voz do Livre, este é “um crime chocante e perigoso”, mas que não deve ser usado pelo Chega para “tomar a parte pelo todo”. A SIC Notícias trata o assunto com "paninhos quentes": "Em causa terá estado um desentendimento entre famílias e o atirador será um indivíduo de etnia cigana", disse à SIC o presidente da Câmara Municipal de Viseu." Sebastião Bugalho, eurodeputado português do PSD, também comentou o assunto, com cautela," dizendo que acreditava que “ainda é cedo para tirar conclusões" e “ainda mais cedo é para fazer política com base no que aconteceu”.
Um exemplo de "jornalismo soft" e da violência tradicional da comunidade cigana aconteceu na noite de sábado, a 21 de Junho de 1999. "Muitos lisboetas desceram à Praça do Comércio para participar no casamento cigano que ali se realizou. Mais de um milhar de ciganos faziam as honras da 'casa' e a música, a dança, a comida e a bebida não faltaram", com a colaboração do então presidente da Câmara de Lisboa, João Soares. "No entanto, há tradições que nunca se quebram e que ontem se cumpriram a rigor, ditando que a boda acabasse prematuramente: à estalada!" - escreveu o jornalista do Público, num tom quase elogioso.
A reportagem é um exemplo típico de uma tentativa de "adoçar" um episódio que ia acabando a tiro. "O caldo acabou por ser entornado pouco mais de uma hora depois. Uma família cigana, não convidada para o evento, apareceu na praça para pedir satisfações e limpar a honra de tal desfeita. E nestas coisas, como também deve mandar a tradição, a honra foi mesmo lavada, sem navalhadas ou tiros de pistola, mas com muita estalada à mistura." escreveu o Público
"A polícia foi chamada a intervir, mas nada teve de fazer. A comunidade cigana já resolvera a questão entre si, com muitos murros e sopapos à mistura e dava a festa por encerrada, ordenando a retirada. Os curiosos que tinham acorrido para ver a festa, esses já haviam retirado em debandada, sem mal maior, pois bastaram as ladaínhas de pragas cantadas pelas ciganas durante a refrega para os pôr em fuga apressada. E, mesmo antes da meia noite, a Praça de Comércio já era um lugar vazio, com cacos de garrafas espalhados aos quilos pelo terreiro e algumas cadeiras partidas, para lembrar que não se convida um cigano e se fica impune."
Espero que episódios como este façam parte do material didáctico a incluir na História dos Ciganos, que este ano vai ser integrada nas chamadas Aprendizagens Essenciais Escolares. Os professores envolvidos neste projecto planeiam, no final do ano lectivo, "umas jornadas de balanço do trabalho desenvolvido. O plano é publicar um livro sobre história e literatura oral cigana, criar um Museu Virtual, construído com comunidades ciganas, fazer uma grande festa de lançamento". Desejo-lhes mais sorte, nessa festa, do que aquela que tiveram as famílias convidadas para o jantar-casamento promovido pelo presidente da Câmara de Lisboa, João Soares, em 1999.

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