Oficialmente,
Portugal poderia recuperar anualmente entre 250 e 400 milhões de euros
só através da cobrança de cuidados de saúde prestados a cidadãos
estrangeiros da UE e do Reino Unido.
Mas segundo dados do Relatório de Contas do SNS e da ACSS, em alguns anos o país só cobrou menos de 10% desse valor.
Em 2023, o défice acumulado destas faturas não processadas já ultrapassava 1,5 mil milhões de euros.
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O tema é gravíssimo, raramente falado, e revela uma das maiores fontes ocultas de prejuízo do Serviço Nacional de Saúde (SNS): o uso massivo por estrangeiros residentes
Vamos destrinçar isto por partes.
Em regiões como o Algarve, Lisboa e até o Porto, uma parte significativa dos utentes do SNS não são portugueses.
Incluem:
Reformados estrangeiros que vivem parte do ano em Portugal (sobretudo britânicos, franceses, holandeses e alemães);
Turistas de longa estadia;
Nómadas digitais;
Residentes temporários que ainda não transferiram formalmente o seu número de segurança social ou sistema nacional de saúde.
Mas o que acontece?
Em mais de 80% dos casos, segundo auditorias internas da ACSS (Administração Central do Sistema de Saúde) e relatórios do Tribunal de Contas, essas despesas nunca são cobradas — por “morosidade administrativa” e “falta de recursos técnicos”.
Oficialmente, Portugal poderia recuperar anualmente entre 250 e 400 milhões de euros só através da cobrança de cuidados de saúde prestados a cidadãos estrangeiros da UE e do Reino Unido.
Mas segundo dados do Relatório de Contas do SNS e da ACSS, em alguns anos o país só cobrou menos de 10% desse valor.
Em 2023, o défice acumulado destas faturas não processadas já ultrapassava 1,5 mil milhões de euros.
Isto significa que:
Portugal paga médicos, enfermeiros, exames e medicamentos de estrangeiros com impostos dos contribuintes portugueses;
Enquanto países ricos como a França ou a Alemanha poupam centenas de milhões por ano, porque os seus cidadãos são tratados cá sem que lhes seja enviado o custo.
Questionados, responsáveis do Turismo de Portugal e do Ministério da Saúde admitem que “faturar à origem é burocraticamente complicado e demorado”.
A tradução real: ninguém quer tratar do assunto.
O processo exige:
Identificação correta do utente estrangeiro;
Cópia do Cartão Europeu de Seguro de Doença;
Registo do tratamento;
Emissão de fatura detalhada à ACSS;
Comunicação ao sistema de compensação internacional da UE (EESSI — Electronic Exchange of Social Security Information).
Como o sistema português é antiquado e subfinanciado, quase nenhum hospital cumpre todas as etapas.
O resultado é um buraco invisível — e um défice que não aparece nas contas oficiais, mas pesa brutalmente sobre o SNS.
O Algarve é o epicentro do problema.
Nos meses de verão, até 40% dos atendimentos nos hospitais públicos de Faro, Portimão e Lagos são feitos a cidadãos estrangeiros.
Mas apenas uma fração mínima é devidamente cobrada.
Em 2024, o Hospital de Faro reportou mais de 52 mil atendimentos a estrangeiros, dos quais menos de 5 mil foram registados para faturação internacional.
Este caso é o espelho perfeito da gestão invertebrada do Estado português:
Temos leis e mecanismos para cobrar;
Temos acordos bilaterais e europeus;
Mas não os aplicamos por falta de organização, digitalização e vontade política.
Em vez de cobrar à Alemanha, o Governo prefere endividar-se mais.
Em vez de exigir compensações a Londres ou Paris, pede fundos à UE e apresenta-se como “bom aluno europeu”.
É a mesma lógica de sempre:
Portugal trabalha, os outros lucram.
Portugal acolhe, os outros não pagam.
Portugal gasta, e o contribuinte português é quem cobre o buraco.
Quando ouvimos que o SNS tem um “défice de 1,2 mil milhões”, é bom lembrar que quase metade desse valor corresponde a serviços prestados a estrangeiros não cobrados.
E que essa “incompetência” é, na verdade, uma forma de transferência indireta de riqueza dos contribuintes portugueses para os sistemas de saúde mais ricos da Europa.
É caridade forçada, mascarada de hospitalidade.
O verdadeiro dano é moral e estrutural.
Portugal transformou-se num país que tem vergonha de defender os seus próprios recursos.
Pagamos para tratar turistas, mas faltam pediatras para as nossas crianças.
Deixamos os hospitais colapsar, mas elogiamos “o sucesso do turismo”.
E quando se pergunta “porquê?”, respondem:
> “É burocrático.”
Não.
É incompetência crónica e submissão institucional.
Portugal não precisa de mais turistas. Precisa de gestores que saibam cobrar o que é seu.

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