domingo, 19 de outubro de 2025
Três mulheres do círculo íntimo de Sócrates vão a tribunal
Lígia Correia, Célia Tavares e Fernanda Câncio serão confrontadas com escutas comprometedoras e com o circuito que o dinheiro fazia antes de lhes chegar às mãos.
O tribunal que julga a Operação Marquês vai ouvir no início da próxima semana, como testemunhas, três mulheres que estão no centro da acusação do Ministério Público (MP) ao ex-primeiro-ministro José Sócrates. O trio faz parte do ecossistema sentimental do antigo líder socialista, incluindo a jornalista Fernanda Câncio, sua namorada de muitos anos. As três terão beneficiado da sua fortuna através do pagamento de avultadas despesas ou de férias de luxo, com verba saídas das contas tituladas pelo empresário e seu amigo Carlos Santos Silva.
Na barra do tribunal, na terça-feira, comparecerão Lígia Correia e Célia Tavares, que, além da sua relação afetiva com Sócrates, criaram com ele também uma grande cumplicidade. O ex-primeiro-ministro e Lígia Correia, sua atual companheira, conheceram-se na década de 1980, quando era uma simples funcionária do PS. Estreitaram a ligação quando ela passou a secretária de outro chefe de governo socialista, António Guterres, e Sócrates, por ele apadrinhado, se tornou um político promissor. Lígia funcionou, durante anos, como a placa giratória que distribuía, conforme as necessidades de Sócrates, as suas próprias amigas. Foi ela quem lhe apresentou Célia Tavares, que será também ouvida pelo coletivo judicial no mesmo dia. Num complexo quadro de relações afetivas, no qual se incluíam outras mulheres, o governante abriu os cordões à bolsa. Quem acabou por pagar a fatura dos seus esbanjamentos sentimentais foram o primo José Paulo Pinto de Sousa e Carlos Santos Silva, os guardiões – na versão do MP – de uma fortuna feita à conta de comissões alegadamente ilícitas que envolveram o mais destacado e reputado banqueiro nacional, Ricardo Salgado, líder do Grupo Espírito Santo.
As sessões no Juízo Criminal de Lisboa durante a próxima semana prometem, portanto, alguma animação. Estas duas mulheres serão, seguramente, confrontadas com o circuito financeiro dos dinheiros que chegaram às suas mãos e também com escutas telefónicas.
Propinas e outras despesas
Célia Tavares, por exemplo, era muito difícil de satisfazer. Trabalhara como personal shopper na Loja das Meias, mas, em 2012, quando o conheceu, estava desempregada e voltara a estudar. Sem meios para financiar o curso de Direito, era a Sócrates que recorria para pagar as propinas e cobrir outras despesas. As conversas entre ambos acabaram por embater sempre nos seus problemas financeiros: «Olá querido, recebeste a minha mensagem? Tenho o seguro do carro que já venceu ontem e não tenho possibilidades para o pagar sem a tua ajuda. Desculpa. Bjs.» Célia não lhe dava um minuto de sossego, mesmo quando os interesses pareciam ser outros. Uma SMS enviada a 25 de maio de 2014, na noite das eleições para o Parlamento Europeu, ganhas pela lista do PS encabeçada por Francisco Assis, ilustra o tipo de afinidade e de dependência que com ele mantém: «Boa ganhámos… Zé estás bonito, estou a ver-te na RTP1. Mesmo com 60% de votos [já apurados] ganhámos. Olha, preciso de ajuda este mês, fiquei com pouco menos, como sabes. E tive muitos gastos. Obrigada, meu querido, e parabéns. Gostava que fosses tu ali em vez do Assis. Bjs.» Ouvida pelo MP, Célia admitiu que quem lhe pagava as dádivas do ex-dirigente socialista, numa rotina quase mensal, eram, à vez, o seu motorista, João Perna, ou o amigo Carlos Santos Silva.
Uma amiga Cada vez mais ‘caprichosa’
Mas, das mulheres do círculo íntimo de José Sócrates, será Lígia, que com ele passou a viver após ter saído de prisão preventiva, quem mais deverá ter de explicar. Conhecia-lhe a avidez de afetos, marcara e desmarcara encontros, regateou preços, colocava travões às despesas quando percebia que o estavam a enganar.
É o caso de Sandra Santos que, com um filho pequeno a seu cargo, vivia na Suíça de um subsídio de desemprego. A logística para a colocar no país sempre que o apetite de Sócrates a reclamava tornara-se numa dor de cabeça para Lígia. E Sandra, conhecedora dos caprichos constantes do ex-governante, não facilitava. Numa década, conseguiu extorquir-lhe, só em transferências bancárias de contas do universo do primo e de Santos Silva, cerca de 150 mil euros.
Lígia, que com eles participava em convívios alargados, tentou abrir os olhos do ex-dirigente socialista, indo em 2013, numa conversa telefónica, direta ao assunto. Avisou-o para ter cuidado, pois Sandra ficava cada vez mais «caprichosa» e nem sempre se mostrava disponível. Acrescentou que não estava a dizer para terminar a relação, mas que tinha de haver «um limite».
Lígia ganhara a confiança do ex-primeiro-ministro e estava num patamar acima da restante teia feminina que o rodeava. Fazia parte da célula dos amigos mais próximos que correram Portugal de lés a lés para comprarem 20 mil exemplares de um livro com a sua assinatura, com o intuito de o fazer guindar ao top das vendas. Só por ela, que recebia para o efeito as despesas de deslocação – combustível, portagens, refeições e alojamento -, foram adquiridos pelo menos 355 exemplares, a um custo de 17 euros cada.
As viagens e o apartamento em Paris
No dia seguinte à audição de Célia e Lígia, quarta-feira, marcará presença em julgamento Fernanda Câncio, que manteve uma longa relação amorosa com Sócrates. O cerco à jornalista da parte do MP terá outro ângulo. Durante o relacionamento, tornado público quando Sócrates, em 2005, assumiu o cargo de primeiro-ministro, o casal fez várias viagens de luxo suportadas pelo omnipresente Santos Silva, que com eles conviveu em retiros de férias na maioria das vezes. Em 2008, apenas duas viagens a Menorca e outra para a passagem de ano em Veneza, englobando Sócrates, a namorada, os filhos, outros familiares e o casal Santos Silva, orçaram por volta de 85 mil euros, mais de metade do vencimento anual do chefe do governo. Ainda houve umas badaladas férias em Formentera, no verão de 2014, em casa arrendada por 18 mil euros num período que não ultrapassou duas semanas.
O MP quer demonstrar que o dinheiro é de quem dele beneficia, e Fernanda Câncio será também confrontada com património que os acusadores afirmam pertencer ao ex-governante, apesar de se encontrar no nome do empresário amigo.
É o caso do luxuoso apartamento parisiense de 225 metros quadrados com vista sobre a Torre Eiffel situado num prédio oitocentista da Avenue du Président Wilson, no 16.º arrondissement, o bairro mais exclusivo e caro da capital francesa, que José Sócrates nega ser seu. Inevitavelmente, Fernanda Câncio será confrontada com escutas e mensagens trocadas com o ex-namorado que contrariam a versão dele. É o caso de uma SMS surgida a 22 de setembro de 2014. A jornalista, que convivia com um quadro de múltiplas relações femininas de Sócrates, mostrou aí o seu desconforto: «Vais ver [que] ela volta para ti. Não há assim tantos ex-pm com massa e casa em Paris e com t*** permanente disponíveis.
Jornal "Sol"
Felícia Cabrita
19 de Outubro 2025
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