Uns degraus abaixo, depois do primeiro lanço das escadas, está Cidália à janela do rés-do-chão onde vive — com vista para a Praça do Martim Moniz e para as escadas —, que evoca Carlos Moedas. “O presidente da Câmara [de Lisboa] está à espera de quê? É preciso instalar câmaras onde há problemas”, desabafa, antes de questionar a prioridade dada ao Cais do Sodré e ao Campo das Cebolas.
Apesar da preocupação com essas duas zonas, esta segunda-feira, instado a comentar a insegurança na sequência da queixa de violação nas Escadinhas da Saúde, Moedas reiterou a disponibilidade para instalar câmaras no Martim Moniz. “Já decidimos [instalar câmaras] em vários sítios da cidade que são importantes. O Martim Moniz não estava incluído, mas obviamente que estou com a PSP para também implementar no Martim Moniz, se essa for a vontade da PSP”, disse o autarca, citado pela Lusa. A PSP demonstrou interesse em ter videovigilância naquela zona da capital, depois da rixa que fez vários feridos entre a Rua do Benformoso e o Intendente.
“A polícia é muito importante em qualquer lado. Devia haver mais câmaras e policiamento durante a noite”, reitera Teresa, apoiada por Carlos: “Se alguém quiser fazer porcaria e estiver a ser filmado, vai pensar duas vezes.”
As vozes em defesa de um sistema de controlo com câmaras naquela zona da cidade vão-se somando. Mas a solução não é unânime. Além de temer um clima de “vigilância constante e massiva”, Fábio defende “estudos” para perceber se compensa ter “câmaras”, numa cidade “com uma configuração estranha, com muitas ruelas e becos”.
Entre bafos no cigarro, o trabalhador de 31 anos diz que passeia “muitas vezes na rua do Benformoso” e não sente medo, apesar de admitir que, “há algumas situações delicadas, com traficantes ou pessoas viciadas em crack”. “Há muitas pessoas, alguns portugueses e outros imigrantes, também da minha idade, em situações de toxicodependência. Já tive que chamar o INEM duas ou três vezes”, explica.
A comoção é geral entre vizinhos e trabalhadores das redondezas, que admitem um problema com segurança na zona, mas que normalmente não se traduz em violações, restringindo-se, maioritariamente, a confrontos entre traficantes. Além de admitir que “não se apercebeu de nada”, Cidália diz que o marido — “que tem sono leve e costuma ouvir tudo” — não notou nenhum barulho na madrugada do alegado crime.
Os confrontos na zona “são comuns”, desabafa a mulher de 68 anos na entrada do prédio onde vive há quase uma década, apesar de confirmar que os problemas nas Escadinhas da Saúde costumam estar relacionados com “tráfico de droga”.
“Temos que poder andar na rua de madrugada, se quisermos, e com segurança”, exige, com a assertividade de quem não se inibe de combater o problema que tem à porta de casa. “Sinto insegurança com a droga. Corro o risco de levar com uma pedra na cabeça. No outro dia, o meu marido acordou com o barulho e viu pessoas à pedrada. Eu já mandei baldes de água a traficantes que estavam aqui a vender droga”, relata, num sotaque carregado: “A justiça não tem mão no tráfico. A polícia prende bastante, mas não é suficiente. Até no meu Alentejo está mau.”
Tal como Cidália e o marido, a maioria das pessoas dormia às 4h00 da manhã de domingo, hora a que terá ocorrido o crime. Fonte da PJ, citada pela Lusa, disse que a vítima teria saído de uma viatura TVDE e foi atacada a caminho de casa.
Maria, que trabalha num café com vista para a Praça do Martim Moniz, assume: “Não tenho outro remédio. Tenho que andar na rua de noite, porque apanho o autocarro do outro lado da praça, mas estou sempre atenta”. Preocupada, a jovem de 28 anos diz que falou com vários vizinhos, que também não ouviram nada.
“Eu não vou para algumas ruas. Há homens maus”
O caminho de vários turistas em direção ao Castelo de São Jorge passa, muitas vezes, por esta escadaria que termina na Rua Marquês Ponte de Lima – bem mais deserta do que a praça uns metros abaixo, mas também com algum comércio procurado, maioritariamente, por trabalhadores imigrantes.
Sentado à espera dos clientes, um vendedor do Bangladesh explica que “há zonas que evita”. “Eu não vou para algumas ruas. Acordo e venho logo para aqui, à hora de sair, vou para casa. Há zonas com homens maus”, descreve, num inglês esforçado, o homem que prefere não ser identificado.
A visão sobre a insegurança no Martim Moniz transcende a nacionalidade. Os vários comerciantes que falam com desconfiança ao Observador explicam que “sentem insegurança nas ruas”, que os leva a evitar determinados locais.
Há sete meses em Portugal, mas apenas um em Lisboa, outro imigrante revela que gostava mais de estar no Porto — “é mais seguro do que aqui” —, mas a falta de trabalho obrigou-o a mudar-se para a capital. “Evito as escadas de noite. O meu patrão diz-me para não passar por ali”, explica.
Teresa, que vive na zona há quase 40 anos e herdou a loja do pai, diz que nos últimos anos “tem havido uma degradação muito grande” e compara o crescente problema de delinquência de tráfico de droga com o Casal Ventoso – o antigo bairro de Alcântara que foi reorganizado no final do último milénio.
Atuação da polícia não gera consenso
Entre as várias pessoas que tentam pensar numa solução para o combate à criminalidade no Martim Moniz, há muitas que apoiam ações policias como a rusga polémica verificada em dezembro do ano passado na Rua do Benformoso. “Até acho que podiam fazer rusgas mais vezes. Ser identificados e revistados não tem mal nenhum. Quem não deve não teme”, justifica Teresa.
No entanto, há quem entenda que estas rusgas “são uma tentativa de mostrar músculo e antagonizar os imigrantes, que acabam por sentir-se diminuídos”, refere Fábio, que defende ações para “fiscalizar e para proteger o país e os imigrantes”.
Na complicada missão de ajudar três idosas a descer as escadas íngremes — dificultada ainda mais pelas poças de água acumuladas na escorregadia calçada —, Renata diz que o problema “não é de etnias nem de nacionalidades”, mas de “pobreza e de condição social”.
No topo da escadaria e acabada de chegar ao Martim Moniz está a proprietária de um Alojamento Local que, apesar de ter estado ausente, “já soube do que aconteceu”. “Violações aqui não costumam acontecer”, refere, surpreendida, afastando também qualquer relação entre insegurança e imigração. A seu lado está Elvira, de 68 anos, profunda conhecedora do Martim Moniz, onde já não vive, mas que continua a visitar diariamente para trabalhar. Nota, com tristeza na voz, um “aumento da insegurança nos últimos tempos”: “Agora está um bocadinho pior. Não estamos numa fase boa e tenho medo de estar na rua. As pessoas não se sentem seguras, vemos muitos ajuntamentos e não vemos polícias.”
A maioria das pessoas queixa-se da falta de polícias. “Recentemente há mais polícias, mas só de carro, raramente os vejo a pé”, acrescenta Fábio. “Estamos numa zona sensível. É preciso mais policiamento apeado, para dar pelo menos alguma sensação de segurança”, confidencia Maria, em busca de uma solução para o local onde trabalha.
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