"(…) Quando as centenas de embarcações apareceram, as suas tripulações deram uma boa gargalhada: uma frota europeia, com todas as luzes acesas, tinha-se alinhado num vasto semi-círculo à entrada da baía. Parecia que estavam a aguardar uma revista. Os navios dispararam uma salva de cartuchos de festim, um após o outro. Depois, uma voz trovejou através de megafones, primeiro em francês, depois em inglês: 'Recuem! Recuem! A França não vos pode acolher! A Europa não vos pode acolher!'
A
armada do Terceiro Mundo respondeu com um grito colossal e uníssono.
Não era um grito de guerra. Era a vasta e primitiva voz da esperança,
das boas-vindas, uma espécie de berro alegre e triunfante, como a
descoberta de um brinquedo por uma criança. E os navios continuaram a
avançar."
"As centenas de embarcações começaram a entrar no
porto, uma após a outra, numa longa e silenciosa procissão. Não houve
toques de trombetas, nem bandeiras a acenar. Apenas um avanço lento e
inexorável. Da costa, os observadores — os poucos que restaram —
assistiam atónitos, como que hipnotizados. Não havia gritos, nem
resistência. Apenas o suave ondular das vagas contra os cascos e o
arrastar de inúmeros pés à medida que as primeiras ondas de humanidade
começavam a derramar-se nas praias."
"Eles estavam em todo o
lado, uma maré humana: homens, mulheres, crianças, idosos, todos a sair
dos navios, com os rostos marcados por uma mistura de exaustão e de um
estranho e silencioso triunfo. Não eram um exército invasor no sentido
tradicional, mas uma força de números absolutos, avassaladora pela sua
simples presença. O ar encheu-se de um murmúrio, de uma nova língua, de
um novo odor. A Europa, ao que parecia, já não era a Europa."
(…)
"O
sangue corria pelas ruas do bairro de Grenelle. O último punhado de
homens, com a arma na mão, estava encurralado na Place du Commerce,
diante da igreja. O padre, com a estola ao pescoço, levantou-se e
pronunciou em voz alta as palavras da absolvição. Os homens
ajoelharam-se, o rosto coberto de pó, e de sangue. Tinham lutado até ao
fim, por aquilo que lhes pertencia e que agora era de todos."
"No
mesmo momento, o arcebispo de Paris, com a sua grande cruz de ouro no
peito, caminhava, na cabeça de um cortejo de clérigos, pelas avenidas do
bairro de Trocadero, para receber os novos missionários da Fé. O coro
entoava o Te Deum. E no mar, mais ao largo, os barcos continuavam a
descarregar a sua carga de miséria. A noite de Paris estava cheia de
vozes e de gemidos."
"Um homem na Praça da Concordia, ergueu uma
bandeira vermelha. Outro, num gesto de desespero, fez o sinal da cruz. E
a multidão continuou a avançar, sem se importar com os mortos, sem se
importar com os vivos. E os últimos homens na Place du Commerce
gritaram, e depois calaram-se."
Jean Raspail, "O Campo dos Santos"

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