sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

Divórcio muçulmano, feito ao abrigo da Sharia, reconhecido por tribunal português

 


Revisão de sentença estrangeira

O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) decidiu que a ordem pública internacional portuguesa não obsta ao reconhecimento da decisão proferida por tribunal islâmico que tenha confirmado o divórcio quando seja a própria mulher a pretender prevalecer-se do divórcio muçulmano Talaq, pelo qual o marido obtém unilateralmente o divórcio.

13.09.2023

Divórcio muçulmano Talaq

Revisão de sentença estrangeira

O caso

Um casal contraiu casamento religioso islâmico no Japão, o qual foi transcrito para ordem jurídica portuguesa. 

Mais tarde, em março de 2015, ele declarou divorciar-se dela, através do procedimento denominado Talaq, pronunciando as palavras Taliq perante o juiz de direito do Tribunal da Sharia, nos Emirados Árabes Unidos, o qual confirmou o divórcio. 

Posteriormente, ela intentou uma ação nos tribunais do Reino Unido, onde residia, pedindo que fosse decretado o divórcio. 

Ao tomar conhecimento da sentença de divórcio Talaq, o tribunal britânico entendeu que as partes já estavam divorciadas, convidando-a a formular um pedido de assistência financeira, o que ela fez, tendo o tribunal proferido sentença final a regular os efeitos patrimoniais do divórcio. 

A mulher, que se naturalizara portuguesa, pediu em Portugal a revisão e confirmação dessa sentença proferida no Reino Unido, mas sem sucesso. 

Mais tarde, pediu a revisão e confirmação de sentença de divórcio proferida pelo Tribunal da Sharia de Sharjah, nos Emirados Árabes Unidos, que confirmara o divórcio operado pela iniciativa unilateral do marido.

  Apreciação do Tribunal da Relação de Lisboa

O TRL decidiu conceder a revisão e confirmar a sentença proferida pelo Tribunal da Sharia de Sharjah, dos Emirados Árabes Unidos, que confirmara o divórcio determinado pela iniciativa unilateral do marido de se divorciar, operando, dessa forma, a cessação do vínculo matrimonial, para que a mesma produzisse efeitos em Portugal.

Decidiu o TRL que a ordem pública internacional portuguesa não obsta ao reconhecimento da decisão proferida por tribunal islâmico que tenha confirmado o divórcio quando seja a própria mulher a pretender prevalecer-se do divórcio muçulmano Talaq, pelo qual o marido obtém unilateralmente o divórcio.

O processo especial de revisão de sentença estrangeira destina-se a verificar se a decisão sobre direitos privados proferida por tribunal estrangeiro, ou entidade equiparada para este efeito, está em condições de produzir os seus efeitos em Portugal. Isto porque uma decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro, não tem eficácia em Portugal, sem estar previamente revista e confirmada. Para o efeito é necessário, entre outros requisitos, que esse reconhecimento não conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado português.

Ora, o divórcio muçulmano designado por Talaq, obtido por mera declaração de repúdio do marido face à mulher, é suscetível de ofender os princípios de ordem pública internacional do Estado Português, desde logo pela sua natureza discriminatória, por não ser concedida tal faculdade à mulher, e também por não existir qualquer tipo de contraditório, podendo, assim, obstar ao reconhecimento da sentença que confirmou essa declaração do marido.

No entanto, esse obstáculo não se verifica quando seja a própria mulher a pretender o reconhecimento da decisão que confirmou o divórcio Talaq. Nesse caso, sendo a própria mulher a pretender prevalecer-se do divórcio Talaq, a ordem pública internacional portuguesa não deve intervir.

Sendo que age em gritante abuso de direito o marido que defenda que estava no seu direito ao ter intentado a ação de divórcio segundo o procedimento Talaq, para salvaguardar as suas convicções religiosas, e, simultaneamente, deduza oposição ao reconhecimento dessa mesma decisão. A consequência desse abuso de direito é tornar ilícita a conduta do seu autor, devendo o julgador obstaculizar aos efeitos pretendidos pelo agente. Assim, pretendendo obstaculizar ao reconhecimento do divórcio que ele próprio tomou a iniciativa de requerer, a forma de impedir que obtenha sucesso por via dessa sua atuação ilícita é conceder o reconhecimento desse mesmo divórcio, pretendido pela mulher.

Referência

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 2985/22.7YRLSB-6, de 6 de julho de 2023

Código de Processo Civil, artigos 980.º e 984.º

 

 

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