sexta-feira, 25 de julho de 2025

“A Europa é uma prisão a céu aberto” – entrevista a Mamadou Ba, no jornal online "marca"

 

À conversa com Mamadou Ba, activista do Movimento SOS Racismo, procurámos perceber as lógicas históricas que conduziram à génese e persistência da Europa como Fortaleza. A fronteira, sempre vigiada e tantas vezes intransponível está assente, de acordo com Mamadou, “nos limites da capacidade geo-estratégica da Europa” e, como tal, é isso que “temos que interrogar, que não pode existir!”

R. Alves: Há um genocídio em curso às portas da Europa. Podes dizer-nos como é que tudo isto começou, fazendo uma espécie de arqueologia da Europa Fortaleza?

Mamadou Ba: Eu acho que nós podemos dizer, de uma forma genérica, que as fronteiras da Europa – fictícias, políticas e geográficas – se tornaram cemitérios a partir do momento em que a Europa se instalou numa situação de revanche histórica contra os países periféricos, nomeadamente as suas antigas colónias. Já havia mortes na década de setenta, eram poucas e não eram muito publicitadas, porque eram mais ou menos aventureiros que tentavam chegar à Europa através do Estreito de Gibraltar. 

Na altura, havia uma política de recrutamento de trabalhadores, ou seja, o acerto entre o que deveria haver de relação colonial entre a Europa e o resto do mundo era feito indo buscar trabalhadores em massa para trazer para alguns países da Europa, logo a seguir aos Trinta Gloriosos [período entre 1945 a 1975] e onde houve uma industrialização forte (i.e. França, Itália, Bélgica, Alemanha). A Europa reciclou a sua forma de trabalho escravo indo buscar, através de acordos bilaterais, trabalhadores em massa. Hoje, a ideia que nós temos é essa narrativa de que as pessoas vêm em massa porque decidiram vir em massa. Não! Alguém criou essa ideia de que havia uma possibilidade de as pessoas virem. 

Eu sei que para alguns esta comparação é muito forçada, mas ela tem alguma lógica histórica: o que a Europa fez logo a seguir às independências foi o que o faziam os navios negreiros quando iam buscar escravos. Portanto, a lógica da economia da morte, que resulta dessa massificação da imigração, foi uma coisa planeada e planificada por uma necessidade económica capitalista. Depois, quando a Europa começa a entrar numa fase de algum refluxo económico e, sobretudo, quando começou a perceber que já não havia possibilidade de controlar essas “manadas” – tal como no tempo colonial, ou no tempo da escravatura -, que as pessoas podiam ter alguma mobilidade dentro da prisão que era o seu estatuto e a sua condição de imigrantes, isso começou a criar problemas.

Em finais de setenta, início de oitenta, depois de ter desarticulado também as economias dos países de origem, através das políticas de ajustamento estruturais, decidiu: “Olha, nós vamos também, tal como liberalizamos a economia, vamos liberalizar a mobilidade”, o que implica fazer o quê? Nós criamos mecanismos de filtro, deixamos entrar quando quisermos, como quisermos para fazer duas pressões ao mesmo tempo: pressionar os países de origem – na gestão das saídas e entradas dos seus cidadãos – e pressionar a nossa classe trabalhadora. 

Deixando sempre entreaberta a hipótese de que pode vir uma ameaça de fora e, claro, que a Europa também está instalada na sua genética atitude imperialista. Ela acha que a única forma de poder ter acesso a recursos para alimentar a sua máquina económica é perturbar e destabilizar os países mais periféricos e a partir daí temos a Europa a fazer guerras por procuração no Continente Africano, no Médio Oriente e também no Extremo Oriente, coisa que não se fala muito nas narrativas. Tirando a Inglaterra, não temos nenhuma discussão sobre o que acontece, por exemplo, no Extremo Oriente (Malásia, Singapura). E há ali fluxos danados de imigrantes que resultam da herança da política imperialista britânica, tal como no Corno de África e no Próximo ou no Médio Oriente (Somália, Líbano). 

A própria conivência da Europa com o Estado de apartheid de Israel também cria fluxos migratórios forçados porque cria tensões em que as pessoas se vêem obrigadas a fugir para se salvarem. Depois, por um ajuste histórico de posição, logo a seguir à queda do muro de Berlim assistimos à implosão de parte importante dos países que eram limítrofes da Europa dita Ocidental. Com a guerra dos Balcãs isso foi uma forma que a Europa encontrou de arranjar uma desculpa para dizer: “Nós a partir de agora não podemos receber toda a gente”.

 Depois a Europa, do ponto de vista cultural, massificou uma forma de estar no mundo, ou seja, criou uma certa hegemonia civilizacional e cultural através da massificação da televisão e contou nisso com a conivência dos seus vassalos. Os poderes políticos desses países – que foram instalados, a maior parte das vezes, pela Europa ou por interesses europeus – tudo fizeram para criar uma condição de necessidade permanente das populações para aspirarem a ter uma coisa, um modelo de sociedade que não é o delas. E onde é que podem ir buscá-lo? É na Europa. Tal como a Europa fez quando empreendeu o imperialismo e o colonialismo, criou-se a ideia do El Dourado ao contrário.

(Continua


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